se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
25
Out 10
publicado por devagar, às 09:46link do post | comentar

A cidade do Maputo tem diversos fim de semana, de acordo com os respectivos protagonistas.

No sábado regista-se sempre muito movimento: as lojas das artérias principais a bombar, todos os que não puderam comprar durante a semana fazem o pleno no sábado de manhã; os cafés estão cheios de gente, que para além de degustar o produto e fumar o cigarrinho ((os brancos ainda fumam muito, os pretos da classe média nem tanto, e a população que não frequenta cafés não fuma nada, porque não tem dinheiro para vícios)) põem a conversa e a calhandrice/fofocas/mexericos em dia.

O Maputo dos brancos de origem tuga, ou tugas, é uma cidade sui generis, com figuras carismáticas, figuras emblemáticas, figurinhas e cromos. Os mais antigos, aqueles que já viram muita coisa e muita gente passar, conhecem histórias fantásticas, de sucessos e de fracassos, como a África vigorosamente produz.

No Sábado à tarde só os hipermercados - que são poucos - registam movimento, e como em todas as cidades, a ida ao hiper é, por si só, um programa, popular e colorido.

De resto a cidade branca aquieta-se, o movimento pára, as conversas continuam mas à porta fechada e o Domingo branco então é dia calmíssimo, a saída a fazer-se é para almoço em restaurante, igreja ou casa de amigos.

Quem pode sai da cidade ao fim de semana, e de preferência no sábado muito cedo, enfrentando má estrada e muitas horas de volante - as alternativas urbanas são poucas e a natureza africana oferece-se, pródiga e farta, a quem a quiser apreciar-

Mas os pretos têm todo um programa nos fins de semana: é deles a Marginal, o mar, os piqueniques e os churrascos, bem regados com cerveja. E até os casamentos, que se processam non stop durante todo o dia de Sábado, vão em cortejo prestar homenagem à praia e ao mar. Há um livro interessantíssimo só sobre a vida Entre a Marginal e o Mar, de Cita Vissers, fotógrafa holandesa que captou essa vida que pulsa vibrante negra, jovem e feliz a gozar o fim de semana.

O movimento da Marginal aprecia-se devagar.

 

A primeira e a última imagens são do livro de Cita Vissers.

 

 


19
Out 10
publicado por devagar, às 16:51link do post | comentar | ver comentários (1)

Quem, como eu, anda pelas ruas e quem, como eu, gosta de apreciar a diversidade que vibra por todo o lado, vai certamente surpreender-se (como me aconteceu a mim) com a população a fazer descontraidamente xixi na rua. Exactamente como eu escrevi: com descontracção.

Não se trata de provocar, trata-se de ... urinar.

É fisiológico.

Citando Carlos Serra, sociólogo e bloguista: Urinar nas ruas, nos muros e nas árvores da cidade de Maputo é uma prática tradicionalizada. Não existe qualquer sentido de contravenção penal.


Então, quando não chove, cheira mal. Há sitios por onde não se pode passar, sobretudo junto das árvores, cujos troncos centenários são locais preferidos.
Por brincadeira, convenhamos que de gosto duvidoso, chamo-lhes o sítio do gato preto, ou do gato fedorento. Mas isto é uma piada interna.

Temos aqui no Maputo um amigo com muita graça, que diz que é cheiro do leão que marca o terreno.

E já agora de leoa também, sendo que a capulana serve para muita coisa (verdadeira multitasker), neste caso para parecer que não é. Mas é. Já vi.

Não há casas de banho públicas na cidade. Há quem venha diariamente de longe, num chapa a abarrotar, sem ter o hábito de ir ao café, luxo de poucos e custa dinheiro, que faz falta para outras coisas ou outros hábitos.

Fazer o quê?

Tudo, claro está, devagar.



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15
Out 10
publicado por devagar, às 09:54link do post | comentar

Esta cidade tem muitas cidades dentro. Algumas de costas totalmente viradas. Ainda nem percebi bem quantos maputos terá Maputo, mas são muitos.


Há o Maputo capital da ex-colónia, onde ficaram construções que sendo ex-líbris de um tempo que já passou, o são também do tempo que decorre agora.  E restam fantasmas de sonhos megalómanos, como o do restrito portugal das touradas. A Monumental Praça de Touros do Maputo (em rigor - Lourenço Marques): quem nela aplaudiu os trajes de luces vindos da Metrópole dirá que então fazia muita falta - opiniões que hoje são polémicas. Construção que retrata a erosão que a história faz às megalomanias. A praça de touros é hoje local onde muitos se abrigam, qual colmeia, onde não se recomendam visitas, onde há comércio informal a toda a volta, muito movimento popular ... e que vai levar anos a demolir ou reabilitar.

Foi cenário das cenas finais do filme A Intérprete com a Nicole Kidman e o Sean Penn . A actriz quando esteve por cá em 2005 estava apavorada com o que via à sua volta.

Coisas de quem não vê para além da primeira impressão? ou será o contrário?

Ao lado deste edifício, fantasma de um Portugal que já não é, existe um hipermercado sul-africano com o incontornável complexo de lojas que todos os hipers compreendem, frequentado transversalmente por quase todos os grupos sociais: o Shoprite. Ao lado deste, ainda em frente à praça de touros, um descampado a que se chama, sugestivamente,  Jardim da Paz.

Quem vive por cá, na rotina esmagadora dos quotidianos difíceis, habituou-se a olhar e não ver.

Surpreende-me sempre este convívio dos dois complexos, separados por uma rua, que aqui representa um mundo - intransponível?

Há outros Maputos, que vou observando devagar.


10
Out 10
publicado por devagar, às 09:13link do post | comentar

Por aqui usam-se expressões, que embora correctas, nos surpreendem pela forma como se introduzem na conversa.

Leva algum tempo para nos habituarmos.

No Maputo ninguém vai (verbo IR) mas todos vêem (verbo VIR) e como a língua portuguesa é muito traiçoeira...

Exemplo:

Estou no elevador, com mais gente, moçambicana atende o telelé, diz:

- estou a vir

ouve mais um pouco

- estou a vir (insiste com voz agastada)

e ainda mais um pouco

- estou a vir, agora (já com a voz bem alta)

Um português ouve isto e pensa: claramente mentira...

Um moçambicano não pede uma coisa assim directamente: dá-me o sal, ou passa-me o sal, o moçambicano dirá

- estou a pidir o sal

um ouvido menos atento nem responde...

Para dinheiro é a mesma coisa

- estou a pidir 200 meticais...

ora se isto se faz perante - vou ser boazinha, 2 pessoas não moçambicanas - nenhuma delas sabe se é interlocuror(a) da conversa e também não liga nenhuma.

A resposta mais usual do moçambicano é está bom

Dizemos a alguém então adeus, até amanhã e obtemos um está bom

Dizemos a alguém num dia de muita chuva, espero que não se molhe quando for para casa, e também obtemos um está bom

E se eu disser, hoje é domingo, a resposta virá está bom, e até está...

E tudo isto um bocadinho devagar...



07
Out 10
publicado por devagar, às 07:03link do post | comentar

Chove no Maputo - o Verão está a chegar.

Aqui a chuva e o calor estão juntos e o tempo seco é mais fresco, chamam-lhe inverno, e dizem que está frio, mas continuam vestidos de t-shirt de manga curta e chinela no pé.

De facto por vezes faz frio, em Julho e Agosto, as mínimas baixam bastante e há sempre um vento muito irritante. Em Setembro começa a aquecer e o vento sopra mais forte, depois vem Outubro e as primeiras chuvas e o vento transforma-se em brisa, suave retemperadora das temperaturas muito altas que vêem a seguir. É o ritmo do Índico e das monções, que aqui chegam mais brandas - devagarinho.

Hoje amanheceu com chuva. Ficou tudo na mesma, ninguém refilou, ninguém se incomodou. Chinelas, mangas curtas, t-shirts - quase não se vêem chapéus de chuva, gabardines nem existem nestas paragens...

A temperatura não se altera, e o pó, o terrível pó encarniçado de Maputo, que o vento teima em trazer diariamente para dentro de nossa casa (não se pode viver de janela fechada, falta-nos o ar) esse dá-nos tréguas.

Daqui a pouco pára, o sol abre, até estalarem as pedras da calçada e quem acordar tarde nem sabe o que se passou pela manhã. E pode ir até à praia.

Sempre devagar.

Um dia como os outros na praia da Marginal

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01
Out 10
publicado por devagar, às 13:54link do post | comentar

A passear - devagar - pela 24 de Julho, artéria MUITO principal desta cidade, reparo numa vendedora de laranjas, uma rapariga nova, com um alguidar à cabeça repleto das ditas. Também as há de maçãs, de amendoim ou de cajú. Muitas não andam, sentam-se todo o dia na esquina de uma qualquer rua movimentada, indiferentes à brutal poluição que respiram.

E dou comigo a pensar: que negócio fará? pois se por todas as esquinas há bancas com grande variedade de fruta, qual poderá ser o seu target (perdoem-se-me os tiques de linguagem primeiromundista), qual poderá ser a margem de lucro, que andará ela a fazer todo o santo dia de alguidar à cabeça?

De um dos portões das vivendas, um guarda (que aqui significa mais das vezes porteiro) chamou a rapariga, deu-lhe umas moedas (quantas?), ela baixou o alguidar, donde tirou uma faca bem afiada e uma bonita laranja, descascou-a de uma só vez, com grande velocidade e sem qualquer hesitação, e entregou-a ao guarda que a comeu ali, gostosamente. Nenhum deles deu sinais de se preocupar com (a falta de) higiene.

Ora aí estava o target dela.

É claro que andava a fazer alguma coisa... se bem que devagar.


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