se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
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Nov 10
publicado por devagar, às 20:33link do post | comentar

A cidade do Maputo não prima pela limpeza. Existe um esforço da Câmara, existe até um serviço de recolha do lixo, que funciona tant bien que mal, mas não se pode dizer que a cidade seja limpa.

Vários factores contribuem para isso. Salta à vista que ruas cheias de gente e falta de apoios básicos de higiene constituem crasso erro, a população não sabe onde deitar papeis, ou embalagens vazias, a não ser nos contentores, insuficientes e permanentemente cheios.

Já vi um vendedor de fruta comer gostosamente uma banana, pegar na casca, colocá-la num saco de plástico, fechar o saco de plástico com um nó e depois deitar tudo aquilo na sarjeta. Falta cidadania, aqui como em tantos outros sítios de países que se consideram civilizados. A enorme poluição automóvel, a falta de sanitários públicos, o vento que leva a areia de alguns passeios a rodopiar por todos os lados e a entrar sem convite pelas nossas casas, tudo isto faz parte do Maputo da pouca limpeza. A tudo isto acresce os muitos prédios por reabilitar, todos de um tom acinzentado que resulta do muito sol, muita chuva e muita falta de tinta, que dão à cidade um certo tom nostálgico e decadente, que fazem parte do seu charme.

Contudo, o parque automóvel no Maputo é limpíssimo. Um batalhão de miúdos diariamente lava os carros. Organizam baldes de água, improvisam escovas e panos: onde quer que se estacione aí vêm eles a imporem uma lavagem que acabamos por aceitar para não os ouvir e para acalmar a nossa consciência de gente mais abastada.

Cada lavagem corresponde a 50 meticais. Se lavarem 5 carros por dia, fazem 250 meticais, em 10 dias de lavagens fazem o ordenado que o operário (pago pela tabela) aufere ao fim do mês.

E pelo meio conversam, jogam às damas em tabuleiros improvisados e sentem o cheiro da liberdade, como só quem anda pela rua conhece.

O clima ajuda. E a inconsciência também.

E os dias passam devagar.

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01
Nov 10
publicado por devagar, às 12:34link do post | comentar

A passear por Maputo todas as manhãs não posso deixar de reparar nos bocadinhos que restam de um Portugal que já passou. E quanto mais gosto e me integro nesta cidade, que nunca foi minha, e a que me vou adaptando num quotidiano que decorre sem grandes sobressaltos, mais reparo no Portugal que a cidade quis ser e não foi - se bem que na memória dos últimos, dos derradeiros, que continuam a não querer contar as décadas que já passaram, esse Portugal existiu mesmo e não é uma projecção das suas mais profundas aspirações e falhadas expectativas.

Algumas contradições, que ninguém valoriza: conduz-se à inglesa, pela esquerda, o que formata um código genético luso-afro-anglo...e faz de Moçambique um exemplo único, de difícil comparação, por ser híbrido e multi cultural e heterogéneo ab initio.

E todos os dias me apercebo desses restos, a começar pelos meticais, que são pelos populares mais velhos tratados por paus e por contos que para mim são coisas de um passado anterior ao Euro - a que me habituei de imediato; são coisas que já foram e que não têm razão de ser. Cem meticais são cem contos ou cem paus (corresponde a 2€). Anacronismos.

A Associação Portuguesa de Maputo todos os dias serve pratos tugas, de gosto passadista e popularucho, que em Lisboa só se encontram com fartura nos restaurantes dos bairros típicos/tradicionais. Quando passo por lá de manhã, cedo, a frequência é maioritariamente, diria até exclusivamente, masculina. Não posso deixar de pensar que isto em Portugal só se vê - e pouco - no interior envelhecido.

E há uma forma de estar decadente, no sentido mais puro do termo, nas casas que se conservaram, no life style de que ainda não se desistiu, num certo dolce fare niente que no Índico sabe tão bem e que Lisboa perdeu há anos. A arquitectura que se conservou, por acaso histórico, fez de Maputo um museu vivo, de que os habitantes não têm consciência e que malgré soi vão preservando.

Exemplo fantástico dessa arquitectura é o centro franco moçambicano, de que aqui deixo duas fotos. Mas há muito mais, há ruas inteiras.

Anda-se para trás no tempo, e ganha-se uma tranquilidade fantástica, e as horas e os dias passam por nós sem nos amachucar como nas grandes cidades do mundo capitalista.

Não penso nas ideias saudosistas, nas glórias passadas, no que poderia ter sido, mas que não foi. Como esta cidade nunca foi minha, dela espero apenas a descoberta. E como ela é rica.

Tudo devagar.


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