se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
31
Jan 11
publicado por devagar, às 07:50link do post | comentar

Já há uns tempos no Maputo, só me decidi muito recentemente a conduzir pelo lado esquerdo. Por razões que talvez poucos compreenderão, mas a prenderem-se sempre com a ideia de que se começo a conduzir pelo lado esquerdo ter-me-ei tornado uma verdadeira emigrante, uma TUGA, como tantas que eu vejo todos os dias e com as quais me desindentifico.

Enfim. Resolvi a questão mentalmente, agarrando-me a à ideia de que com tanto sangue britânico a correr-me nas veias, conduzir à esquerda era do foro genético. Mas a verdade verdadeira é que o calor me impede de andar a pé e dificulta-me o dia a dia, necessito mesmo de conduzir nesta cidade.

Cá em casa há um 4x4 enorme, mas nestas estradas essencial. Quando me sento ao volante parece que estou a conduzir um camião. Requer treino. Entendi que o fim de semana seria (também) dedicado à condução.

Então ao sairmos de um magnifico dia de praia na Macaneta, fui eu a conduzir até ao batelão.

Estava eu a entrar no carro veio o guarda pedir-me para dar boleia ao colega. Os dois estavam mesmo ao meu lado, todos em pé. E eu digo, hoje não, porque vou aprender a conduzir este carro e não quero distrair-me.

O guarda disse ao colega (que tinha ouvido tudo tão bem quanto ele):

- Não podes ir, a mamã vai aprender.

E de repente desapareceram os dois. Depressa.

E eu fui conduzindo, em estrada de areia. Devagar.

Ainda agora me rio.

 

 

 

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26
Jan 11
publicado por devagar, às 10:41link do post | comentar

Fazer compras no Maputo não é uma coisa evidente. Vou explicar nalguns posts, sendo este o primeiro.

Um europeu habituado à normalização chega aqui, enfia-se num dos grandes super mercados, e compra o que vê nas prateleiras, refila pela falta de escolha, pela diferença dos hábitos alimentares, espanta-se quando os ovos dentro das embalagens têm tamanhos diferentes, fica estupefacto com os pacotes de arroz e de farinha, que são enormes, alguns de pano, de que eu particularmente gosto, mas comprar 5 quilos...

E há coisas inesperadas, por não corresponderam ao conceito europeu que nos formatou, e que nos baralham. Caso dos conceitos de bazar e mercado.

No Bazar, nome que dão ao mercado central, há muito mais do que num tradicional mercado. Artesanato démodé, com grande oferta de cestos, vernizes de unhas e cabeleiras postiças em enorme quantidade, cabeleireiros que operam num espaço de 2m2 ... Um mundo multiétnico curiosíssimo, cheio de especiarias e onde também há frutas, grandes molhos de hortaliça verde e do melhor camarão. É preciso determinação para lá entrar, pois nesta terra todos nos querem vender tudo e cansa muito recusar sistematicamente. Dizem que é zona de bandidagem (palavra muito usada localmente), de cautela com carteiras, de turistas distraídos depenados, etc. Então por tudo isto vai-se lá pouco, o que é pena pois situa-se num edifício de traça antiga, muito bonito, na baixa na cidade. No Mercado Janet (pronunciam jánete), este sim um verdadeiro bazar, compram-se todo o tipo de plásticos, a maior parte directly from PRC, e a mais variada quinquilharia, etc.

Há também coisas muito práticas e absolutamente inesperadas: bainhas e pequenos arranjos de costura fazem-se na rua. Gosto particularmente da confusão e cor da Av. da Guerra Popular, onde geralmente homens operam várias máquinas de costura, algumas eléctricas, e que na hora cozem o que queremos e como queremos. Podemos inclusivamente comprar uma capulana na loja - e na Guerra Popular há capulanas diferentes, que vêm da África francófona - e embainhá-la imediatamente.

É claro que devagar.


21
Jan 11
publicado por devagar, às 09:10link do post | comentar | ver comentários (2)

Na minha casa do Maputo, todos os dias das 6,45 até mais ao menos às 15 horas, existe uma fadinha boa que cuida do que é meu, com dedicação e carinho, e uma inquebrantável vontade de aprender e de fazer as coisas à minha maneira. Uma memória privilegiada e um bom humor contagioso.

Tem 42 anos é alta e elegante, porte decidido, sorriso franco. É a única mulher que eu conheço que quer engordar. Já lhe disse que não é boa ideia, mas não sei se está convencida: sorri sempre e diz-me que sim.

No dia em que começou, perguntei-lhe se queria usar bata, disse - obviamente - que sim que queria muito, mas sem avental nem lenço na cabeça (vende-se o pacote inteiro por 200 meticais, cerca de 4€). Aprendi que usar bata confere estatuto. Fomos então comprar as ditas - vendem-se na rua, como tanta coisa nesta cidade - e eu deixei-a escolher, o que muito a agradou. Tínhamos parado o carro mesmo ao lado do vendedor das batas. Exigiu um saco de plástico para as trazer para casa. O carro tem lugar cativo à porta de casa: estranhei: disse-me, segura, senão parece que roubamos senhora.

Tem 6 filhos, 2 rapazes e 4 meninas, o mais velho tem 26 anos e é polícia, a mais nova tem 10 e anda na 6ª classe, boa aluna, orgulho da mãe. Ao Sábado fica em casa, porque eu lhe digo para ficar, e lava a roupa de toda a família, limpa, varre, sacode, cozinha, arruma e dá mimos aos mais novos. Ao Domingo - e os olhos brilham quando conta - vai para a Igreja logo de manhã (é católica) e à tarde não faz nada, só descansa. Porque o Domingo é para descansar, disse o Senhor Jesus.

Feliz anda porque lhe dei uns óculos de ver ao pé, especialmente porque com eles voltou a conseguir ler a Biblia, de que gosta muito.

Penso muito nela, no facto de nas sociedades evoluídas nos esquecermos do que é a luta diária pela comida, casa, água e coisas básicas. E acho-a tão mais, tão imensamente mais, do que tanta gente que conheço.

E fico assustada com o que penso.



20
Jan 11
publicado por devagar, às 07:50link do post | comentar

Temos tido um calor imenso. Sem chuva. O que é quase inacreditável porque antes de chegarmos ela caiu e bem, no sábado oito horas seguidas, fazendo lembrar cheias e dramas pessoais. Desde então pouco mais choveu. E enquanto continuar preponderante a influência do continente negro a temperatura não desce. Precisamos de ar vindo do Índico.

Isso trás situações (repare-se que nem digo problemas) no nosso dia-a-dia com gestão mais complicada. O prédio onde moramos tem depósito de água que dura 24 horas, quando tudo corre bem. A cidade só é abastecida de água de madrugada, altura em que os depósitos das caves vão sendo cheios, a água depois é bombada para os depósitos do telhado, e durante 24 horas estamos mais ou menos garantidos, porém se faltar a luz muito tempo ... provavelmente no dia seguinte não teremos água.

 

 

Pois é.

Então, quando está muito calor os aparelhos de ar condicionado trabalham non-stop, e a electricidade falha, e depois (eventualmente) a água.

E não vale a pena reclamar, porque não leva a nada, é pura perda de tempo.

E também é certo que a tudo nos vamos habituando - devagar.

 

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16
Jan 11
publicado por devagar, às 18:02link do post | comentar

Chegar ao Maputo à noite, depois de 11 horas dentro de um avião.

Um luxo ter uma manga a levar os passageiros do A340, directamente para o novo aeroporto internacional, onde o ar condicionado nos permite esperar com conforto na fila da Migração, a mostrar passaportes, DIRE's e vistos, e depois pela bagagem, num grande espaço com tapetes e carrinhos novos.

E por aqui ficam as novidades.

 

Do costume: o tempo de espera, que é o do desespero; os carregadores  a boicotar as filas; passageiros que chegam aqui pela primeira vez a stressar, habituados a ritmos acelerados; e, apesar do novo distico, a indicar o caminho para quem tem NADA A DECLARAR, toda a bagagem obrigada a passar pela máquina de raio X,  à procura de artigos a serem taxados na alfândega.

E entre sair do avião e chegar a casa são 2 horas e meia, quando o percurso de carro é de 10 minutos à hora a que chegamos.

Mas por aqui é tudo devagar.


12
Jan 11
publicado por devagar, às 18:51link do post | comentar | ver comentários (1)

Prestes a rumar a sul. Os sentimentos contraditórios das partidas. As malas com peso limitado e estiva difícil.

Nada de novo.

Hoje, a ultimar ajudas a familiares, entrei num grande espaço, um dos muitos que existem neste pequeno país. Enquanto aguardava resposta na recepção de entrada, reparei no esforço (exagerado?) de uma menina que pretendia que todos os clientes daquele espaço, logo à entrada, dessem dinheiro para a causa que representava. Havia música, ar condicionado, a menina apresentava-se com uma imagem cuidada.

Não gostei.

Achei mesmo uma violência (a roçar a promiscuidade?) que no local onde se entra para gastar dinheiro, alguém nos peça parte do dito, apelando a sentimentos de culpa, por se ter quando tantos há que não têm. Perguntei-me porque a administração do espaço permitia este assalto ao consumidor? Interroguei-me se seria  para passar a ideia de que naquele espaço havia uma consciência cívica de ajuda ao próximo, mas à custa da chateação ao cliente que entra no espaço?

Não sei.

Por cá, senti-me todos os dias bombardeada por uma neurose colectiva, que se liga à crise económica, à falta de dinheiro, ao aumento dos impostos, à falta de horizontes, ao FMI, ao desemprego, aos preços a subir, etc. A escassos dias do Maputo, não posso deixar de pensar na pobreza moçambicana e na alegria colectiva de um povo que anda devagar, e no bem que me vai fazer ver o pobre a pedir, ajudá-lo sem ter por intermediária uma menina pintada, com unhas de gel, muito rímel, sapatos de salto alto e muito descaramento.


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