se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
24
Mar 11
publicado por devagar, às 18:08link do post | comentar | ver comentários (1)

De compras hoje de manhã pelo Maputo. A pedido insistente da Felismina (e agora que já tenho carro lá tenho que cumprir o prometido) fui ao mercado do Fajardo, à Av. do Trabalho, no Alto Mahé, zona altamente povoada de variadas etnias e onde o branco rareia.

Visitei uma confusão organizada, cheia de gente e de recantos especializados, uns mais escuros que outros, tectos baixos de assoalhadas improvisadas com chapas de zinco, paus e caniço, onde a Felismina se movimentou leve e conhecedora, e eu me deixei levar por cores e odores surpreendentes. O calor insuportável, mas se calhar só para mim, porque gentes de várias e asiáticas origens, bem cobertas e de vestes longas andavam por ali sem parecer sofrer os 34º que já marcava o termómetro.

 

Um mundo maioritariamente feminino, aí num ratio de 15:1, sendo que homens feitos eram poucos e ou eram condutores de carrinhas que descarregavam produtos importados da vizinha África do Sul, ou velhos inertes como estátuas, que haviam já voltado para o conforto do mundo das mulheres, porto seguro que lhes vai deitando o olho, oferecendo ajuda e comida diária.  Crianças eram imensas e bébes pendurados nas costas das mães também por lá andavam, impressionando-me sempre muito o facto de não de se lhes ouvir o choro.

Vende-se tudo aos montinhos e aos molhinhos.

Os molhinhos são as divisões que se fazem aos molhos de salsa, coentro e cebolinho - que moçambicana que se preze utiliza diariamente e em quantidade - espinafre, couve etc.

Os montinhos são para os outros produtos todos, do piri piri, à batata doce, que se expõe com criatividade.Os pequenos custam 5 ou 10 meticais, dependendo do produto, os médios 15-20 os maiores 25-30... e por aí.

O pobre compra ao dia e ao montinho, cujo preço se ajusta às parcas moedas da subsistência. O moçambicano pobre (a esmagadora maioria) vive com cerca de 18 meticais diários (50 meticais = 1€). Um montinho de 10 meticais não é propriamente barato. Um pão tipo cacete pode custar entre 5 e 7,5 meticais (o mais barato é mais estreito), e um saco com cerca de 200 gramas de amendoim moído custa 12 meticais, e com ele e algumas folhas de mandioca moídas no pilão se faz uma matapa capaz de alimentar uma família média moçambicana.

Hoje no Fajardo vi cachos de uvas vendidas aos montinhos de 10, 15 e 20 meticais... Os de 10 meticais teriam umas 10 uvas. Se transformarmos 1 quilo de uva em montinhos de 10 meticais fazemos um lucro superior ao que se consegue num supermercado que vende ao quilo, e que paga espaço, mão-de-obra e impostos.

O ciclo infernal da pobreza e da fome aqui vive-se devagar e aos montinhos.

 


14
Mar 11
publicado por devagar, às 14:11link do post | comentar

Moçambique é (foi sempre) multicultural. Vive-se aqui em vários maputos, vários circuitos fechados que se vão respeitando e convivendo pacificamente. Há a multiculturalidade visível, pela forma de vestir, pelos sitios que se frequenta, e há aquela que só cada grupo de per se reconhece. Como nós da TUGOLÂNDIA reconhecemos de imediato outros TUGAS que colocamos num qualquer compartimento de classificação social (eu sinto-me sempre à parte, perguntando-me amiúde se por acaso serei mesmo TUGA). Outras gentes reconhecem grupos e subgrupos de acordo com bitolas especificas e de difícil compreensão.

E são mesmo muitas as gentes que por aqui estão e que me fascinam diariamente, e com fortissimas influências do Índico, que tudo, absolutamente tudo, torna diferente: aqui não se sentiu nem ao de leve o Carnaval - que é atlântico. Nada se passou, nem uma montra, nem um evento. Nada.

Vivemos a influência do ritmo das monções, que torna a-noutros-lugares-muito-aprazível-temperatura-máxima-de-26º absolutamente insuportável, porque o grau de humidade é de 83%. Passa-se o dia a suar de forma incontrolável, só aliviada pela climatização. Por isso dormimos sempre com o ar condicionado ligado, desde o recém nascido ao idoso. Aqui dá saúde.

E há sítios onde vou e me parece difícil acreditar que este país foi alguma vez território colonial TUGA. Enfim.

Hoje estive em zona monhé, um calor na casa dos 30 e tal, numa loja sem climatização - porque hoje de manhã houve prolongada falha de energia - e uma rapariga atendia (a suar em bica) ao balcão de negro vestida (a lembrar os filmes bíblicos made in Holywood). Enquanto esperava, falamos do tempo, que é o melhor tema de conversa quando outro não existe.

 

Queixou-se da chuva de ontem de manhã, que aumentou a humidade e não refrescou.

Solidarizei-me.

Perguntei-lhe - eu de cavas e decotes - se a roupa que trazia não lhe fazia calor. Que sim que fazia, mas que estava habituada.

Desacreditei.

Não havendo ninguém a ouvir a nossa conversa, perguntei-lhe se quando chegava a casa se vestia (neste caso despia) mais leve, mais à vontade, disse-me que sim, mas só no quarto dela.

Gostei de gostar de ser TUGA.

É tudo devagar...e relativo.


07
Mar 11
publicado por devagar, às 09:34link do post | comentar

Sou, e gosto de ser, low profile. Aprecio quem seja.

Penso também que nem tudo nem todos devem ou podem ser assim.

 

E isto a propósito da visita da Infanta Cristina de Espanha a Moçambique, que decorre de 5 a 7 de Março. A Infanta visitou em Manhiça os trabalhos desenvolvidos pela  ONG Cic-Batá, na sua qualidade de presidente do  Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) e directora da Área Internacional da Fundación "la Caixa", instituição poderosa, para supervisionar a evolução dos projectos de desenvolvimento e cooperação, com especial enfoque na saúde e na sustentabilidade alimentar das populações.

 

No fim da visita a infanta fará o discurso de abertura na Conferência inaugural das Jornadas de Saúde Global organizadas pela Fundação Manhiça, na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane.

E estamos mesmo noutro lugar, noutro contexto, noutro espaço cultural, prioridades e atenções que são outras.

Nos jornais: nada.

Nos blogs: nada.

Na conversa dos cafés: nada.

E alguma visibilidade que poderia ter a visita: nada.

Na revista HOLA: muito.

Algo vai mal...

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