De compras hoje de manhã pelo Maputo. A pedido insistente da Felismina (e agora que já tenho carro lá tenho que cumprir o prometido) fui ao mercado do Fajardo, à Av. do Trabalho, no Alto Mahé, zona altamente povoada de variadas etnias e onde o branco rareia.
Visitei uma confusão organizada, cheia de gente e de recantos especializados, uns mais escuros que outros, tectos baixos de assoalhadas improvisadas com chapas de zinco, paus e caniço, onde a Felismina se movimentou leve e conhecedora, e eu me deixei levar por cores e odores surpreendentes. O calor insuportável, mas se calhar só para mim, porque gentes de várias e asiáticas origens, bem cobertas e de vestes longas andavam por ali sem parecer sofrer os 34º que já marcava o termómetro.
Um mundo maioritariamente feminino, aí num ratio de 15:1, sendo que homens feitos eram poucos e ou eram condutores de carrinhas que descarregavam produtos importados da vizinha África do Sul, ou velhos inertes como estátuas, que haviam já voltado para o conforto do mundo das mulheres, porto seguro que lhes vai deitando o olho, oferecendo ajuda e comida diária. Crianças eram imensas e bébes pendurados nas costas das mães também por lá andavam, impressionando-me sempre muito o facto de não de se lhes ouvir o choro.
Vende-se tudo aos montinhos e aos molhinhos.
Os molhinhos são as divisões que se fazem aos molhos de salsa, coentro e cebolinho - que moçambicana que se preze utiliza diariamente e em quantidade - espinafre, couve etc.
Os montinhos são para os outros produtos todos, do piri piri, à batata doce, que se expõe com criatividade.Os pequenos custam 5 ou 10 meticais, dependendo do produto, os médios 15-20 os maiores 25-30... e por aí.
O pobre compra ao dia e ao montinho, cujo preço se ajusta às parcas moedas da subsistência. O moçambicano pobre (a esmagadora maioria) vive com cerca de 18 meticais diários (50 meticais = 1€). Um montinho de 10 meticais não é propriamente barato. Um pão tipo cacete pode custar entre 5 e 7,5 meticais (o mais barato é mais estreito), e um saco com cerca de 200 gramas de amendoim moído custa 12 meticais, e com ele e algumas folhas de mandioca moídas no pilão se faz uma matapa capaz de alimentar uma família média moçambicana.
Hoje no Fajardo vi cachos de uvas vendidas aos montinhos de 10, 15 e 20 meticais... Os de 10 meticais teriam umas 10 uvas. Se transformarmos 1 quilo de uva em montinhos de 10 meticais fazemos um lucro superior ao que se consegue num supermercado que vende ao quilo, e que paga espaço, mão-de-obra e impostos.
O ciclo infernal da pobreza e da fome aqui vive-se devagar e aos montinhos.