Tenho ouvido histórias de pessoas que por cá andam há muito tempo que são fascinantes. Gosto muito de histórias e não resisto a contar uma que ouvi muito recentemente.
Há cerca de 14 anos um amigo nosso foi contratado para administrar uma fábrica de descasque de castanha (=caju), situada no Norte de Moçambique.
Era o único branco, embrenhado terra adentro, num raio de 100 km tendo sob sua alçada cerca de 1200 homens. Cerca porque era muito difícil saber quantos eram: todos os dias morria gente e verdadeiramente só na altura do pagamento do salário se fazia uma estimativa mais rigorosa de quantos eram os vivos. E digo estimativa porque como nenhum sabia ler/escrever o vencimento processava-se com impressões digitais, a comparar com documentos oficiais, alguns com validade já expirada - coisa de somenos - e o processo demorava dias, por isso a estimativa. A solução foi ensinar cada um a escrever o nome, o que não sendo rápido tornou o administrador muito popular.
Na época das cheias não era possível chegar à fábrica, porque os terrenos estavam alagados, mas devido à popularidade do administrador, os empregados organizaram-se para todos os dias o irem buscar e levá-lo ás cavalitas: o percurso era de 7 km ida mais outros tantos de volta. E isto longas semanas. Chegou o dia em que o nosso amigo conseguiu arranjar um barco para o percurso, informados os trabalhadores de que muito agradecido dispensava o serviço de transporte, estes consideraram a decisão ofensiva e o nosso amigo continuou a ser levado às cavalitas: senti-me importante, não o sendo.
Eram 4 os trabalhadores que o levavam, revezando-se, e ele habituou-se ao transporte, agarrando-se bem.
Só um aparte: as cavalitas aqui são mesmo um meio de transporte popular: desde os filhos que vão às costas, aos velhos, aos doentes e até aos animais que nelas se transportam.
Século 21, que aqui decorre devagar.