É difícil esperar pela nossa vez numa repartição ou num consultório. Ninguém gosta. Em Portugal então gosta-se muito pouco.
Verifiquei isso quando esperei pacientemente a minha vez para exames de rotina num consultório de grande movimento em Lisboa. Enquanto estava na fila onde se confirmava a presença e se entregava ou as credenciais ou o cartão da seguradora, as mulheres (eram exames femininos) sopravam muito, mexiam as pernas, atiravam a cabeça para trás num gesto de quase desafio sabe-se lá a quê, e uma vez atendidas esqueciam educação e boas maneiras e mostravam-se agastadas, fartas, descontentes com o serviço. Entretive-me a contar o tempo que demorava o processo desde a chegada ao atendimento, não chegava a 5 minutos.
Lembrei-me das grandes filas que se fazem um pouco por toda a África rural, incluindo Moçambique, quando as mulheres vão à equivalente consulta, que não inclui nenhum dos exames sofisticados, ou levam os filhos às vacinas e à balança. Demoram horas, porque se deslocam a pé até ao local, têm que levar água e comida, porque nem têm dinheiro nem há onde comprar, e depois ficam ali a esperar a sua vez, imperturbáveis na sua infinita paciência.
Quis pensar nas razões, comparar, compreender onde e porquê se tornou quase insuportável para a portuguesa esperar 5 minutos. Concluí que se relacionava com a obsessão que aqui existe de controlar o tempo, através da planificação de toda a vida, começando pelo quotidiano, tendo como critério primeiro o tempo que se está disposto a destinar a cada tarefa ou actividade.
Lá, com calma, sabe-se que se vai esperar mas, porque se privilegia a razão da espera, não se valoriza o facto de se ter de esperar. E, sem exames sofisticados e com uma esperança de vida baixíssima (49,78 anos) se a compararmos à que existe aqui (79,26 anos), aguenta-se e aproveita-se para conviver com quem também ali está com objectivos semelhantes e com o desejo de talvez, se Deus assim quiser, ver os filhos crescer com mais saúde.
O mesmo pensamento da Felismina quando me diz: temos a vida que Deus quer, sem revolta nem raiva.
Ainda há dias uma amiga nossa foi pedir uma certidão de nascimento, de que necessitávamos, na Beira. A pessoa a quem se destina a certidão tem 55 anos. Na conservatória, perguntaram o ano do nascimento, após o que disseram que desse ano já não tinham nada ali, porque as pessoas nascidas em 1956 já teriam falecido.
Lógicas e espaços mentais diferentes dos nossos.
Tudo devagar.