se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
27
Jan 12
publicado por devagar, às 13:46link do post | comentar

Vou transcrever um excerto de uma entrevista do jornal Notícias de hoje, para reflexão de quem vive alheio às realidades deste imenso país, onde 83,8% da população feminina dos 15 aos 49 anos, está casada, em união de facto ou sem parceiros fixos ... e não usa qualquer método anticoncepcional.

 

A entrevistada é Paula Muchanga, 26 anos de idade.

És casada?

Não, mas tenho filho

Onde está o pai do teu filho?

Na África do Sul, mas já não está comigo e nem me ajuda a criar o nosso filho.

Estudaste até que classe?

Conclui a 7ª classe e parei de estudar quando engravidei.

Com quem vives?

Com minha mãe, minha avó e minhas irmãs.

Onde está seu pai?

Está na casa dele com outra mulher. Deixou minha nãe e voltamos com ela para a casa da minha avó.

Tens quantas irmãs?

São duas, mais novas.

Elas estão a estudar?

Estudavam até 2011. As duas concluíram a 10ª classe, mas não vão continuar porque a mãe não consegue mais comprar material escolar e pagar o aluguer da casa. Mas aquela que segue a mim tem bebé de 3 anos e a mais nova com 14 já está grávida.

Vocês conhecem a pessoa que engravidou a vossa irmã mais nova e o pai do filho da outra irmã?

Não, a mais nova voltou da escola grávida. Estudava em Chidenguele e cá só vinha nas férias.

E o pai da criança da outra tua irmã ajuda?

Também não o conhecemos.

O que faz a tua mãe?

Também só vai à machamba (=horta).

Então todas vocês têm bebés e todas não têm maridos, e nem sequer a vossa mãe conhece os pais dos vossos filhos?

Sim.

Mas gostariam de ter um relacionamento sério?

Queremos muito.

O que dizem os homens que namoram convosco sobre o casamento?

Não dizem nada.

Já ouviste falar de planeamento familiar?

Ouvi no hospital.

O que é planeamento familiar?

Não sei explicar.

Alguma vez usaste o preservativo?

Já vi na loja, mas nunca usei.

Tiveste quantos namorados?

Dois.


Isto tudo a cerca de 350km do Maputo, no povoado do Chitongo.

Prevenção do HIV? promoção da igualdade de género?

Tudo muito devagar, milhões de dólares gastos.


16
Jan 12
publicado por devagar, às 07:41link do post | comentar

Só há pouco tempo percebi o que queria dizer a frase, que sempre pensei ser fruto de um qualquer delírio adolescente, apanhados pelo clima, de facto não é uma qualquer imbecilidade desprovida de sentido.

Eu explico: liga-se àquilo que neste blog se apelida de Tuga, ou seja, um ser que, sendo representativo de um certo Portugal, talvez pimba, provinciano, deseducado, deslumbrado, e fiquemos por aqui, não é representativo dos portugas em geral, só de uma facção.

Hoje, vou falar do Tuga macho, noutra qualquer altura falarei da Tuga, que também tem que se lhe diga.

Ora bem, o Tuga chega a Moçambique e é alguém, porque fala português e é branco. Estas duas características, de que usufrui por mero acaso geográfico e genético, dão-lhe aqui um certo relevo, que advém do passado colonial a par da ideia de que o branco - português ou não, mas a preferência vai mesmo para o português, por ser mais fácil a comunicação -  sabe muita coisa e paga melhor que os conterrâneos.

Então, o nosso Tuga depara-se com uma certa deferência, dão-lhe a passagem, tratam-no por boss, obedecem rápido às suas ordens, passa à frente nas filas, é atendido primeiro...e o Tuga fica deslumbrado. Depois veste-se de forma bem descontraída, porque o calor aqui aconselha isso mesmo, grandes t-shirts a tapar a barriga proeminente, calção abaixo do joelho e havaiana. E lá anda ele pelos cafés, sempre grande, espaçoso e...feliz.

                          Do filme O último voo do flamingo de João Ribeiro

Acontece, também, que lhe é fácil conseguir companheira(s), que gostam da forma como o Tuga as poderá tratar, já que por aqui abunda a promiscuidade e o pouco dinheiro para o sustento da casa, e a moçambicana que quer sair deste ciclo infernal sabe que apanhar um Tuga e dar-lhe uma volta apimentada...é uma estratégia de êxito.

Pouco depois de chegar, o Tuga já tem companheira, que lhe lava a roupa, cozinha e que com ele faz o que o Tuga nem imaginou exequível no vale dos lençóis, veste-se como gosta, anda nas patuscadas do churrasco e da cerveja ao fim de semana. Tem uma vida com que nunca sequer sonhou.

E nada disto aconteceu devagar.

Foi num ápice que ficou apanhado pelo clima.

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03
Jan 12
publicado por devagar, às 20:46link do post | comentar | ver comentários (1)

Estou prestes a voltar para o Maputo. Muito ficou por fazer e muito foi feito, sempre esta sensação de que não consigo  cumprir uma lista mental que ninguém - a não ser eu mesma - escreveu e quer cumprir.

Sei que vou ter que andar devagar e vai saber-me muito bem.

Sei também que vou voltar a ser TUGA e disso tenho pouca vontade, é que as histórias tugas em Maputo deixam-se quase sempre com vontade de não pertencer ao grupo.

Eu explico.

Se nós aqui consideramos que o português tem pouca consideração pelos outros, e se nós aqui pensamos que tem sido lento o processo que levou os portugueses a tornarem-se no dia-a-dia cidadãos europeus, com comportamentos racionais, então quando os exportamos para Moçambique toda a consideração pelo próximo desaparece e os comportamentos tornam-se irracionais, e é claro que nos custa levar a etiqueta TUGA no peito.

Um à-parte: deste grupo exluo os políticos porque são de facto diferentes, se calhar oriundos de outro planeta, e que gostam de ir ao Maputo e passear na Julius Nyerere, artéria muito principal da cidade, cheia de bons hoteis e restaurantes, e distribuir muitos sorrisos, vestidos da forma mais informal que conseguem.

Para que me compreendam vou relatar um só episódio tuga: há cerca de 3 semanas, uma senhora tuga não gostou de ver uma camioneta parada em segunda fila na 24 de Julho, a descarregar vidros e alumínios para obra em execução. E sabe-se lá por que razão, chamou a si o caso. Refira-se que a referida senhora tinha o seu carro um 4x4 estacionado ali e podia sair à-vontade. Então foi à carrinha e retirou a chaves da ignição, preparando-se para se ir embora com as chaves.

Nem faço comentários.

O condutor da camioneta viu a senhora e dirigiu-se ao referido 4x4. A tuga mostrou enorme surpresa por se tratar de um branco - "julgava que o motorista da carrinha era um preto" - e colocou a chave da camioneta entre as pernas, em atitude de desafio, e falou de forma desabrida, como se se tratasse de polícia de trânsito.

A situação manteve-se em níveis aceitáveis porque a tuga estava acompanhada de uma filha adolescente, que ficou muito envergonhada e pedia à mãe para devolver a chave e ir-se embora, e o condutor da camioneta, depois de desligar o 4x4 (porque senão a tuga ía mesmo embora), teve consideração pelo o óbvio sofrimento da miúda e absteve-se de dizer-lhe mais.

Sobre a matéria fico-me por aqui, e não escrevo mais porque nos diminui.

Mas são estes episódios que me fazem querer não ser tuga.

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