No prédio onde moro há um guarda que se chama Castigo e me trata por mãe.
A minha neta quando cá veio, na inocência da infância, não acreditou que aquela criatura pudesse ter tal nome e ficou um pouco incomodada com a forma como ele me tratava, mas depois habituou-se, à medida que foi ouvindo tanta gente na rua a chamar-me assim. E compreendeu o que significa respeitar-se outra cultura, o que é admirável quando se tem 8 anos, e é o valor acrescentado de se viajar nos mundos da diversidade cultural.
Os nomes aqui - e na generalidade da África negra - têm uma sonoridade específica, que nos surpreende até nos acostumarmos, e uma lógica muito própria cuja compreensão necessita ter-se nascido aqui, pertencer-se a esta cultura.
Eu explico: é necessário aceitar com naturalidade estes nomes, devido à carga negativa que acarretam, ou à dramatização que implicam.
Conheço uma rapariga, moderna, boa profissional e de sorriso franco, que leva com imenso à-vontade um nome próprio que os pais lhe deram por a considerarem um erro nas suas vidas, a Erónea (aqui um só r é carregado e os dois rr não, vá-se lá saber porquê) se vivesse nos States estaria semanalmente no divã do psi para conseguir lidar com o trauma brutal do nome que os pais lhe tinham dado, mesmo que entretanto já o tivesse alterado para um qualquer mais inócuo em termos psi.
E há quem se chame Sofrimento, Relógio, Seis Hora (assim mesmo, hora no singular, tal como o povo fala por aqui). Mais na ruralidade, mas em Maputo também existem.
Os apelidos também têm outra musicalidade: Olumene, Zunguze, Matavel, Langa, Cossa, Munjovo, Macuácua, Magalojo, Mitava, Tumba...escrevem-se com frequência nas colunas dos jornais.
E há muitos nomes de origem muçulmana a que o ouvido europeu está pouco habituado, que pode consultar aqui, que nos remetem para outras realidades e vivências, e essa diversidade que se vê por todo o lado é um livro aberto de muitas aprendizagens. Isto para quem quer aprender, porque ou se nasceu aqui e a diversidade é banal, ou se vem de fora e se trás uma série de preconceitos, de julgamentos e de comparações que não servem para nada e criam imensos problemas.
As pessoas com muitos anos d'África contam histórias engraçadas relativas aos nomes, uma delas sobre uma senhora que em diálogo de contratação de um empregado, depois de ouvir com detalhe e mais do que uma repetição o nome do candidato, que não conseguia fixar por estranho que lhe parecia, disse-lhe pois...mas eu vou chamar-te Pedro, e Pedro ficou, sem trauma e até com algum orgulho, mas os tempos eram outros.
Estou a referir-me a meados do século passado, altura em que se dizia criado, e havia toda uma carreira desde o pequenino do quintal, que fazia recados e trabalhos avulso até ao criado de dentro, verdadeiro braço direito da dona de casa actuando quase como uma extensão do poder de que aquela dispunha, passando pelo mainato, que lavava e engomava a roupa.
Há alguns dias estava eu na loja da Vodacom na Julius Nyerere quando a pessoa que estava à minha frente (negro, jovem adulto e bem apessoado) teve que dizer o nome para fazer o registo do telemóvel.
Disse: João Joaquim ... não gosto nada do meu nome, claro que lhe perguntaram porquê, e ele respondeu que João era o patrão do pai, Joaquim um branco português importante da terra e o pai dera-lhe esse nome, e ele pensava que gostava de ter um nome africano com que se identificasse e não um nome composto pelas reverências do pai - um assimilado - em época colonial...
Continua tudo devagar.
By Ian Plaskett, photo posted in the blog Africa, This is why I live here