se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
22
Set 12
publicado por devagar, às 15:15link do post | comentar

No prédio onde moro há um guarda que se chama Castigo e me trata por mãe.

A minha neta quando cá veio, na inocência da infância, não acreditou que aquela criatura pudesse ter tal nome e ficou um pouco incomodada com a forma como ele me tratava, mas depois habituou-se, à medida que foi ouvindo tanta gente na rua a chamar-me assim. E compreendeu o que significa respeitar-se outra cultura, o que é admirável quando se tem 8 anos, e é o valor acrescentado de se viajar nos mundos da diversidade cultural.

Os nomes aqui - e na generalidade da África negra - têm uma sonoridade específica, que nos surpreende até nos acostumarmos, e uma lógica muito própria cuja compreensão necessita ter-se nascido aqui, pertencer-se a esta cultura.

Eu explico: é necessário aceitar com naturalidade estes nomes, devido à carga negativa que acarretam, ou à dramatização que implicam.

Conheço uma rapariga, moderna, boa profissional e de sorriso franco, que leva com imenso à-vontade um nome próprio que os pais lhe deram por a considerarem um erro nas suas vidas, a Erónea (aqui um só r é carregado e os dois rr não, vá-se lá saber porquê) se vivesse nos States estaria semanalmente no divã do psi para conseguir lidar com o trauma brutal do nome que os pais lhe tinham dado, mesmo que entretanto já o tivesse alterado para um qualquer mais inócuo em termos psi.

E há quem se chame Sofrimento, Relógio, Seis Hora (assim mesmo, hora no singular, tal como o povo fala por aqui). Mais na ruralidade, mas em Maputo também existem.

Os apelidos também têm outra musicalidade: Olumene, Zunguze, Matavel, Langa, Cossa, Munjovo, Macuácua, Magalojo, Mitava, Tumba...escrevem-se com frequência nas colunas dos jornais. 

E há muitos nomes de origem muçulmana a que o ouvido europeu está pouco habituado, que pode consultar aqui, que nos remetem para outras realidades e vivências, e essa diversidade que se vê por todo o lado é um livro aberto de muitas aprendizagens. Isto para quem quer aprender, porque ou se nasceu aqui e a diversidade é banal, ou se vem de fora e se trás uma série de preconceitos, de julgamentos e de comparações que não servem para nada e criam imensos problemas.


As pessoas com muitos anos d'África contam histórias engraçadas relativas aos nomes, uma delas sobre uma senhora que em diálogo de contratação  de um empregado, depois de ouvir com detalhe e mais do que uma repetição o nome do candidato, que não conseguia fixar por estranho que lhe parecia,  disse-lhe pois...mas eu vou chamar-te Pedro, e Pedro ficou, sem trauma e até com algum orgulho, mas os tempos eram outros. 

Estou a referir-me a meados do século passado, altura em que se dizia criado, e havia toda uma carreira desde o pequenino do quintal, que fazia recados e trabalhos avulso até ao criado de dentro, verdadeiro braço direito da dona de casa actuando quase como uma extensão do poder de que aquela dispunha, passando pelo mainato, que lavava e engomava a roupa.

Há alguns dias estava eu na loja da Vodacom na Julius Nyerere quando a pessoa que estava à minha frente (negro, jovem adulto e bem apessoado) teve que dizer o nome para fazer o registo do telemóvel.

Disse: João Joaquim ... não gosto nada do meu nome, claro que lhe perguntaram porquê, e ele respondeu que João era o patrão do pai, Joaquim um branco português importante da terra e o pai dera-lhe esse nome, e ele pensava que gostava de ter um nome africano com que se identificasse e não um nome composto pelas reverências do pai - um assimilado - em época colonial...

Continua tudo devagar.


 

 

 

By Ian Plaskett, photo posted in the blog Africa, This is why I live here


12
Set 12
publicado por devagar, às 15:55link do post | comentar | ver comentários (3)

Setembro é um mês de transições.

O período começa com a FACIM. A feira trás uma profusão de gente de fora, convencida que vem fazer grandes negócios, que de facto são aqui feitos mas pelas grandes corporações, que não expõem - claro está - na FACIM. Os pequenos por cá andam uma semaninha, distribuem muitos cartões e vão-se embora: mas sente-se que a época começou, é a rentrée mozambican style

Interessante é ver as celebridades lusas que nos vêm visitar - e eu questiono-me sempre quais os motivos por detrás do investimento. Este ano a grande surpresa foi o Isaltino Morais, que chegou com enorme séquito, jantaradas maningue e muitos amigos e amigas. O circuito do costume: restaurantes da moda, com o incontornável salto ao mais económico e famoso Piri-Piri, mesa enorme e cheia da sua barulhenta corte, ida às praias maravilhosas e saltinho ao Kruger.

O tempo está um pouco incerto e ora temos dias (relativamente) frios e sem sol, que é coisa raríssima e põe os moçambicanos, de gema ou sem o ser, completamente malucos, porque o frio e a humidade que se enfia por nós adentro incomoda sobremaneira, calculo (confesso aqui que com algum prazer) que o vento tremendo que nos assolou tenha incomodado bastante o grupo do Isaltino Morais. O que reforça a ideia de que há certas forças que conspiram mais a favor dos justos que dos outros.

Os europeus regressaram das férias, na escola portuguesa já começaram as aulas e pelas embaixadas e cooperações internacionais realinham-se as to do lists, revêem-se prioridades, lêem-se propostas, marcam-se reuniões, seleccionam-se os eventos em que se vai participar.

Os universitários bolseiros partem para a África do Sul, Europa e States para começarem ou continuarem os seus estudos, os pais ficam tristes mas depois a máquina trituradora da vida de trabalho toma conta deles e há sempre o skipe que ajuda os que partem e os que ficam.

 

Nós por cá vamos andando, alguns à espera do milagre da riqueza - ou a vertigem do carvão e do gás natural -  que todos os dias é apregoada nos jornais, mas que dizem os entendidos não produzirá efeitos significativos nas populações senão daqui a uma década, apesar de já estarem a engordar certas contas offshore, segundo dizem as más línguas.

As infraestruturas que irão permitir a farta exploração dos ditos recursos estão em fase de projecto e construção...No entretanto, a pensão completa da segurança social é de 200 meticais por mês e os pobres e mendigos sobrevivem ninguém sabe como. Diz-se muito que o velho aqui é respeitado, foi no passado mas os valores africanos estão também em grande sobressalto e a vida urbana é para os fortes e endinheirados, os desprotegidos nada têm a seu favor no Maputo, onde os problemas são gravissimos e os avisados bem alertam para a violência que eles suportam, a nível físico e psicológico.

 

Na minha casa está tudo igual, a Felismina anda a caminhar todos os dias para o hospital onde a filha problemática está internada, sabe-se lá com quê, desconfio eu que com qualquer coisa de grave, porque as semanas vão passando e a situação continua sem melhoras, e a Felismina a mourejar todos os dias a levar comida e água e a cantar afincadamente ao Jesus da IURD, que ela diz lhe dá tudo quanto precisa.

E agora que a poeira começou a assentar, tudo continua a andar devagar, que é o ritmo a que já me habituei e de que vou gostando, até porque o ditado nos diz - e eu começo a acreditar - que depressa e bem não há quem, e as notícias que me chegam da tugolândia vão-me dizendo que os brancos estão todos doidos...

E os dias estão a crescer e o calor está a chegar.

... 'tá-se bem!

 


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