Ainda não me referi aqui ao AF (=african factor) que é mais ou menos um vírus, que ataca muitas vezes e que se resume no seguinte: tudo acontece não como se previa mas de outra maneira, ou com atrasos incompreensíveis. Vou dar alguns exemplos do dia-a-dia.
Hoje fui ao banco levantar cheques. Estava na fila e veio a gerente muito sorridente e simpática ter comigo, porque me viu entrar. Deu-me um envelope com os cheques, eu assinei o papel comprovativo e guardei o envelope. Tinha que ter conferido, o que não fiz em frente à referida senhora porque pensei que seria uma indelicadeza...chego a casa e recebo telefonema a avisar que tinha que ir ao banco amanhã porque não me tinham dado os cheques todos: sorry!
Nem refilei, porque sei que o AF faz com que as coisas não aconteçam à primeira, e já nem estranho quando sistematicamente adiam projectos e reuniões que estavam marcadas e remarcadas. Estive envolvida num projecto que deveria começar em Março e só se deu em Outubro, na precisa semana em que eu mudei de casa: AF.
Vou ao cabeleireiro, onde vou desde que cá cheguei, portanto há já alguns anos, fazer o que faço de todas as vezes que lá vou, e que supostamente está escrito na ficha de cliente (nunca vi tal ficha, mas porque haveria de duvidar da respectiva existência?) e confio os meus cabelos à empregada, porque a proprietária diz com autoridade antes de sair porta fora, que ela estar ou não estar era a mesma coisa, o pessoal sabia o que fazer.
Porém, o cabelo sai de cor alaranjada, as madeixas de um amarelado inqualificável e a rapariga, com o ar impávido de sempre, propõe emendas, de que eu fujo horrorizada e sem pagar.
Na rua ando com à-vontade porque aqui ninguém liga - e a ajuízar pela maneira como se apresentam até devem gostar - porém vou evitando os locais com gente conhecida porque tenho vergonha.
Demorou uma semana para conseguir reparar o erro, com vários desencontros e eu passei do muito chateada para o conformada com rapidez: afinal era o AF.
A falar com uma amiga moçambicana que é economista, referiu que quem quisesse montar um negócio aqui tinha que fazer estudos com imensas variáveis, o que não era necessário considerar noutros locais, senão tudo saíria errado: e eu dei comigo a pensar no AF.
Quem é de cá leva o AF na boa, nós vamo-nos habituando e com o tempo a coisa vai.
E depois há situações com graça, apesar de trágicas, e que me parece têm uma pitada de AF.
Há dias houve um assalto aos Correios de Marracuene, porque nesse dia os velhinhos iam levantar as pensões (que são miseráveis, mas muitas parcelas pequenas conseguem fazer uma soma interessante) e a televisão foi lá entrevistar alguns dos lesados, que pouco diziam... e as autoridades, convidadas a dizer de sua justiça. Ora, no caso vertente, a autoridade era do género feminino, idade madura, corpo de quem não passa fome, algum cuidado com a imagem porque estava a usar os seus 5 minutos de fama na TV... e referindo-se à premeditação do roubo utilizou estes termos:
Os ladrões fizeram um estudo de viabilidade e resolveram praticar o assalto.
E já ouvimos outras frases únicas, como a situação de alguém que morrera ao atravessar um rio infestado de crocodilos, ou como dizia o repórter com ar grave: a senhora ía a atravessar e foi agredida por um crocodilo.
Por aqui tudo mais ou menos como sempre, ou seja devagar.
Foto do blog Africa, This is Why I live here