se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
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Jun 13
publicado por devagar, às 14:28link do post | comentar

Por aqui o dia-a-dia das pessoas continua muito devagar.

Começou e acabou a greve dos médicos e enfermeiros. Cerca de um mês e com resultados quase nulos.

A população sofreu maningue, mas a população aqui está habituada a sofrer e a partir de uma certa idade considera o sofrimento um estado normal.

Os mais novos não aceitam da mesma maneira e há uns espíritos mais livres que se revoltam.

Mas de uma forma geral as pessoas conformam-se com o pouco que têm, até porque não conhecem outras possibilidades.

Repórteres de jornais estrangeiros ficam admirados com a brutal clivagem entre elite endinheirada e a população, o mesmo acontece com alguns diplomatas, mas não chegam para alterar o status quo.

E apesar do que se diz de Moçambique em Portugal, não notamos nem as melhorias nem os dinamismos que os media (irresponsavelmente) apregoam. Aqui a maior parte das coisas são mesmo difíceis.

A greve dos médicos atingiu sem piedade os mais fracos.

Cenário durante a greve dos médicos em Maputo @Ussene Mamudo/AIM

Cá em casa foi a Felismina, o marido teve um AVC que lhe apanhou com severidade o lado esquerdo. Tratamento? a Felismina esfregou com uns óleos, e perguntou-me se devia por vick na perna do marido que ele não se tinha de pé. Expliquei o que pude e não mais porque sabia que o hospital tinha fechado as portas, ajudei o que pude - sempre pouco - e ela lá vai, o marido em casa (52 anos) e a ver vamos se conseguirá recuperar o que quer que seja. A família grande e às costas dela.

O dia da tragédia do AVC foi também o dia em que a Felismina levou o dinheiro em dobro para comprar a geleira, com que sonhava há anos. Saiu daqui animada para ir ao Alto Mahé fazer a compra. Durante o percurso recebeu o telefonema da vizinha a informar que o marido tinha caído perto da paragem do chapa, e que não conseguia falar. A bem dizer, a vizinha nem sabia quando se tinha dado a queda, alguém tinha dito a alguém, que tinha dito à vizinha.

E a Felismina lá foi meter-se no chapa para acudir ao marido, ainda deitado no chão à espera que ela chegasse.

E o dinheiro da geleira acabou por ir parar às mãos de um médico (?) privado, e o marido da Felismina voltou a falar mas não registou outras melhoras.

A linha entre a pobreza e a miséria é aqui muito ténue e a Felismina bem quer, mas não lhe consegue escapar.

Só mais um pormenor: o vencimento da Felismina é superior ao de um enfermeiro em início de carreira.

E agora?

 

 


E agora?
Perguntas bem, mas bem sabes que não há resposta. A luta pela mera sobrevivência é assustadora e difícil para quem a vive. Deprimente para quem a observa sem saber nem poder fazer nada, por muito que se faça.
As esperanças de um dia melhor criam-se, nutrem-se com muito custo, mas logo se esvaem sem verem o nascer do novo dia. Uma doença, uma cheia, um roubo, um assalto, e os sonhos morrem aí.
E tu vives esse drama no seu dia a dia sem esperança porque o país, o povo, estão a saque.
nando a 5 de Agosto de 2013 às 19:58

Nando , isto às vezes é tão complicado, tão aterrador nas suas eternas limitações, o ciclo infernal da miséria, que se cola à pela e impede até a liberdade de espírito, porque nem se sabe que espírito existe e pode ser livre...que eu perco a vontade de escrever.
Ouvi neste fim de semana uma entrevista a Alice Mabote, da Liga dos Direitos Humanos, mulher sem papas na língua e profundamente conhecedora (e descontente) desta realidade, e percebi que ela também está neste espaço mental em que me encontro: e agora?
E todos os dias, devagar, vamos desacreditando, e parece que é sem retorno.
devagar a 5 de Agosto de 2013 às 20:37

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