se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
19
Ago 12
publicado por devagar, às 16:50link do post | comentar | ver comentários (4)

A rapidez da tecnologia tornou-nos seres muito impacientes.

Esperar é um acto muito difícil, para desespero de quem espera e de quem está ao lado de quem espera.

Explico:

Por vezes o Multibanco não funciona, e geralmente é por causa das linhas. Aqui fica toda a gente à beira de um ataque de nervos.

Na semana passada, depois de ter feito lista de compras, e ido ao supermercado fazer as ditas

... e aqui as compras não são brincadeira, nunca há tudo o que queremos no mesmo sítio, a lista se não está bem feita é uma trabalheira ter que dar as voltas todas outra vez, e os preços têm diferenças loucas, então mesmo havendo os artigos há que diversificar com o olho vivo senão somos depenados - estou farta de dizer aqui que Maputo é uma cidade onde viver custa mesmo muito dinheiro ... 

fui, já com o papel da máquina registadora na mão, ao balcão onde está o malfadado aparelho do multibanco, para pagar a conta de uma série de coisas que já estavam todas em sacos.

... e aqui há a 'saco-mania', tudo se mete em sacos, não se aproveita o espaço dos sacos, muito menos o ambiente, quando há vento (e aqui há muito vento) andam sacos pelos ares numa dança estranha e macabra...sacos esses que estavam já no carrinho para o empregado ir atrás de mim (aqui dizem carinho, porque quando estão dois RR não carregam no som e quando está só um carregam e bem, mas isto são coisas a que nos habituamos e deixamos de estranhar) dizia eu que o empregado iria com o carrinho atrás de mim para meter os sacos na bagageira e guardar a gorjeta - que aqui é uma obrigação (e lá está, esta cidade obriga-nos a ter trocos que é dificílimo, porque ninguém aqui tem a noção de que os trocos são obrigação de quem vende e não de quem compra)...

Então o cartão passou na máquina uma série de vezes, mas a comunicação não acontecia, e atrás de mim crescia a fila de várias senhoras à espera do mesmo, e já assopravam, impacientes com a espera, diziam imensos impropérios ao rapaz que estava atrás do balcão, pondo em causa a sua capacidade de executar a operação.


Havia dois aparelhos Multibanco, um do BIM (=Millenium) e outro do BCI (=CGD). O rapaz tentava ora num ora noutro. Depois mexia nos fios do telefone, que desligava e ligava, gritava em Changane (dialecto local) para os colegas (suponho para que desligassem o telefone do balcão onde está a máquina registadora com o respectivo monhé a controlar o movimento), mexia no aparelho de fax, tudo atrás do balcão num emaranhado de ligações manhosas, e cada vez que desligava fios a máquina do multibanco desligava-se e era necessário recomeçar as tentativas só depois da máquina voltar a parecer 'viva', o que não era imediato, e depois de tudo isto -  nada.

E a mulherada atrás de mim totalmente impaciente reclamava e muito e o rapaz estava a ficar em stress.

Para aliviar o ambiente disse ao rapaz 

- Já reparou que uma máquina fala português e a outra inglês?

Ele nada

Eu insisti: 

- Esta diz 'a ligar' e a outra dizia o mesmo mas em inglês.

Ele olhou para mim e disse, com ar de quem muito sabe:

- Não, aquela lá dizia a conectar (=connecting).

A mulherada aqui refilou e bem, que o puto não sabia nada, que era um ignorante, que o que dizia era uma falta de respeito...

E como a dita máquina nem ligou nem conectou nem coisa nehuma, deixei-os todos a falar uns com os outros, o rapaz, a mulherada, o dono do supermercado, os empregados, o rapaz do carrinho cheio de compras...


E fui recomeçar os mesmos procedimentos noutro lado, no caso no Shoprite, sem saber se encontraria por ali o polícia ladrão (que também é coisa que já deixei de estranhar).

As compras vão-se fazendo ... devagar.

 

 



10
Fev 11
publicado por devagar, às 11:27link do post | comentar

Venho de fora, da Europa evoluída e moderna. Olho para a cidade como outsider, e gosto de observar, de reparar em pormenores, de compreender comportamentos, de me perder por aí, e se não o faço mais é por estar um calor que me impede de passear como gostaria e a que me vou habituando - devagar.

Esta cidade não está organizada para o visitante. Os táxis são poucos, os museus escassos, a pedincheira imensa, os passeios estragados, a praia suja e arriscada, os chapas pejados a tomarem conta das ruas (cheias de buracos), os carros enormes e sem respeito pelo transeunte, os caixotes do lixo sempre cheios, os bairros pobres de ruelas estreitas e de terra batida a rodear a cidade de betão, muita gente na rua, muito barulho, a comunicação com os locais é muito difícil, o português que falam e o que nós usamos distantes a dificultar o diálogo...

A primeira impressão não levará à empatia, sobretudo se quem chega é pouco viajado: o medo retrai as pessoas. Então faz-se o circuito da Av. Julius Nyerere, da cidade branca, dos bons e caríssimos hotéis de luxo, dos bons restaurantes, um salto ao Bazaruto para os endinheirados, uma visita à cosmopolita Nelspruit e ao famoso Kruger Park e a coisa fica por aí.

Mas Maputo é imensa e multi etnica, e disso tenho uma sadia consciência.

Pergunto-me qual o conceito à volta do qual se organizará esta cidade. Quando aqui cheguei descobri coisas à custa de esforços inglórios, lógicas absolutamente inéditas, como a variação de preços dos mesmos bens, em lojas da mesma rua, na casa do dobro e da metade, da dificuldade de encontrar coisas para nós básicas, mas que se calhar não fazem falta nenhuma (chicaras de café), e coisas caríssimas e de um gosto surpreendente, como o tamanho das mobílias. O resultado é que aqui se aprende o despojamento, que nos obriga a repensarmo-nos e simplificarmo-nos, e nos torna - assim esperamos - melhores.

Claro que cidade tem uma lógica, todos os dias se enche e se despeja de gente que trabalha e luta pela sobrevivência, e o facto de não a compreender não confirma a sua inexistência.

E a cidade também tem restos de um passado, cada vez mais distante.

Abasteço-me de coisas que me fazem falta para as minhas actividades de artesanato na Retrosaria Fakir (o nome já diz tanto...), sita no Alto Mahé, bairro popular e maioritariamente monhé. A loja terá 25 m2, é gerida a pulso firme por homens vestidos de branco da cabeça aos pés e mulheres de negro trajadas, também da cabeça aos pés (a afirmarem-se publicamente maometanos), ajudados por muitos africanos, empregados prestativos que se colam aos fregueses ... onde existe tudo o que se possa imaginar. Tem sempre fila à porta - as pessoas têm que bichar, o que os locais abominam e de que não param de se queixar - mas eu nunca espero nem bicho. Porque não me deixam. Assim que me vêem chegar, afastam-se para eu passar, e mesmo que eu não queira a isso sou obrigada. Dentro da loja também tenho atendimento prioritário e de qualidade.

Restos de uma cidade colonial?

Provavelmente.


26
Jan 11
publicado por devagar, às 10:41link do post | comentar

Fazer compras no Maputo não é uma coisa evidente. Vou explicar nalguns posts, sendo este o primeiro.

Um europeu habituado à normalização chega aqui, enfia-se num dos grandes super mercados, e compra o que vê nas prateleiras, refila pela falta de escolha, pela diferença dos hábitos alimentares, espanta-se quando os ovos dentro das embalagens têm tamanhos diferentes, fica estupefacto com os pacotes de arroz e de farinha, que são enormes, alguns de pano, de que eu particularmente gosto, mas comprar 5 quilos...

E há coisas inesperadas, por não corresponderam ao conceito europeu que nos formatou, e que nos baralham. Caso dos conceitos de bazar e mercado.

No Bazar, nome que dão ao mercado central, há muito mais do que num tradicional mercado. Artesanato démodé, com grande oferta de cestos, vernizes de unhas e cabeleiras postiças em enorme quantidade, cabeleireiros que operam num espaço de 2m2 ... Um mundo multiétnico curiosíssimo, cheio de especiarias e onde também há frutas, grandes molhos de hortaliça verde e do melhor camarão. É preciso determinação para lá entrar, pois nesta terra todos nos querem vender tudo e cansa muito recusar sistematicamente. Dizem que é zona de bandidagem (palavra muito usada localmente), de cautela com carteiras, de turistas distraídos depenados, etc. Então por tudo isto vai-se lá pouco, o que é pena pois situa-se num edifício de traça antiga, muito bonito, na baixa na cidade. No Mercado Janet (pronunciam jánete), este sim um verdadeiro bazar, compram-se todo o tipo de plásticos, a maior parte directly from PRC, e a mais variada quinquilharia, etc.

Há também coisas muito práticas e absolutamente inesperadas: bainhas e pequenos arranjos de costura fazem-se na rua. Gosto particularmente da confusão e cor da Av. da Guerra Popular, onde geralmente homens operam várias máquinas de costura, algumas eléctricas, e que na hora cozem o que queremos e como queremos. Podemos inclusivamente comprar uma capulana na loja - e na Guerra Popular há capulanas diferentes, que vêm da África francófona - e embainhá-la imediatamente.

É claro que devagar.


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