Já me habituei à pronúncia moçambicana e já consigo descortinar se quem fala estudou a sério ou fez apenas os estudos elementares.
Já reconheço um sotaque diferente mas não consigo perceber a origem, até porque conhecendo já alguma coisa deste todo geográfico, sei que não conheço nem um terço do país que é enorme e não é nada fácil conhecê-lo.
Há até sotaques que me encantam, e expressões deliciosas, uma delas é a forma como dizem, ou melhor entoam 'não é?', que utilizam muito como o 'ins't it?' inglês
Verifico que a língua moçambicana sendo português não o é exactamente, e confesso que se tenho pressa fico irritada, mas sei que não tenho razão. Compreendo que na língua, como em tudo o resto, o moçambicano é altamente criativo e desenrascado.
Usam por aqui vocábulos de forma diferente, por exemplo, quando se referem ao tempo não dizem que está bom ou mau, dizem que a temperatura está boa ou má; o mesmo com vento, termo que não usam, preferem ventania, que pode ser até uma suave e vagarosa brisa.
Coisas.
Do blog, Africa, This is why I live here
Cortar muitas vezes é dividir (a carne) mas pode ser diminuir (o cabelo) e acabar passa para ultimar num instante. Mala de senhora é pasta, e caixote do lixo é lata, aliás lata é qualquer recipiente da cozinha (fora tachos e panelas).
Quando nos vêem, no balcão do banco por exemplo, perguntam como estamos, ao que respondemos 'bem obrigada', se não dizemos mais nada, ouvimos do outro lado 'eu estou bem'... e temos vontade de nos enfiar num buraco, com receio de termos melindrado, que não é do todo o que queremos.
Temos que estar sempre atentos, para não cometer injustiças.
Mas ás vezes desconseguimos (palavra muito comum).
Há dias, pessoa da tugolândia que me é muito próxima, ao telefone com empregado (que faltava ao serviço por ter a filha de meses internada no hospital mas que confessava ter grande apoio da sogra na companhia que fazia à criança) desconseguiu.
Ou seja, disse sem pensar (ao saber que a avó da criança marcava presença assídua no hospital):
- Então não tens que ficar aí a olhar para o boneco.
Erro colossal.
Ofensa maior.
Ainda hoje o moçambicano não acredita que 'olhar para o boneco' é uma expressão vulgar e não maliciosa.
E esqueceu-se por momentos de um dos imperativos da comunicação intercultural - filtrar antes de dizer.
O difícil convivio da diversidade cultural que fala a mesma língua: devagar.