se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
04
Mar 13
publicado por devagar, às 12:35link do post | comentar

Já me habituei à pronúncia moçambicana e já consigo descortinar se quem fala estudou a sério ou fez apenas os estudos elementares.

Já reconheço um sotaque diferente mas não consigo perceber a origem, até porque conhecendo já alguma coisa deste todo geográfico, sei que não conheço nem um terço do país que é enorme e não é nada fácil conhecê-lo.

Há até sotaques que me encantam, e expressões deliciosas, uma delas é a forma como dizem, ou melhor entoam 'não é?', que utilizam muito como o 'ins't it?' inglês

Verifico que a língua moçambicana sendo português não o é exactamente, e confesso que se tenho pressa fico irritada, mas sei que não tenho razão. Compreendo que na língua, como em tudo o resto, o moçambicano é altamente criativo e desenrascado.  

Usam por aqui vocábulos de forma diferente, por exemplo, quando se referem ao tempo não dizem que está bom ou mau, dizem que a temperatura está boa ou má; o mesmo com vento, termo que não usam, preferem ventania, que pode ser até uma suave e vagarosa brisa.

Coisas.

Do blog, Africa, This is why I live here

Cortar muitas vezes é dividir (a carne) mas pode ser diminuir (o cabelo) e acabar passa para ultimar num instante. Mala de senhora é pasta, e caixote do lixo é lata, aliás lata é qualquer recipiente da cozinha (fora tachos e panelas).

Quando nos vêem, no balcão do banco por exemplo, perguntam como estamos, ao que respondemos 'bem obrigada', se não dizemos mais nada, ouvimos do outro lado 'eu estou bem'... e temos vontade de nos enfiar num buraco, com receio de termos melindrado, que não é do todo o que queremos.

Temos que estar sempre atentos, para não cometer injustiças.

Mas ás vezes desconseguimos (palavra muito comum).

Há dias, pessoa da tugolândia que me é muito próxima, ao telefone com empregado (que faltava ao serviço por ter a filha de meses internada no hospital mas que confessava ter grande apoio da sogra na companhia que fazia à criança) desconseguiu.

Ou seja, disse sem pensar (ao saber que a avó da criança marcava presença assídua no hospital):

- Então não tens que ficar aí a olhar para o boneco.

Erro colossal.

Ofensa maior.

Ainda hoje o moçambicano não acredita que 'olhar para o boneco' é uma expressão vulgar e não maliciosa.

E esqueceu-se por momentos de um dos imperativos da comunicação intercultural - filtrar antes de dizer.

O difícil convivio da diversidade cultural que fala a mesma língua: devagar. 


10
Fev 11
publicado por devagar, às 11:27link do post | comentar

Venho de fora, da Europa evoluída e moderna. Olho para a cidade como outsider, e gosto de observar, de reparar em pormenores, de compreender comportamentos, de me perder por aí, e se não o faço mais é por estar um calor que me impede de passear como gostaria e a que me vou habituando - devagar.

Esta cidade não está organizada para o visitante. Os táxis são poucos, os museus escassos, a pedincheira imensa, os passeios estragados, a praia suja e arriscada, os chapas pejados a tomarem conta das ruas (cheias de buracos), os carros enormes e sem respeito pelo transeunte, os caixotes do lixo sempre cheios, os bairros pobres de ruelas estreitas e de terra batida a rodear a cidade de betão, muita gente na rua, muito barulho, a comunicação com os locais é muito difícil, o português que falam e o que nós usamos distantes a dificultar o diálogo...

A primeira impressão não levará à empatia, sobretudo se quem chega é pouco viajado: o medo retrai as pessoas. Então faz-se o circuito da Av. Julius Nyerere, da cidade branca, dos bons e caríssimos hotéis de luxo, dos bons restaurantes, um salto ao Bazaruto para os endinheirados, uma visita à cosmopolita Nelspruit e ao famoso Kruger Park e a coisa fica por aí.

Mas Maputo é imensa e multi etnica, e disso tenho uma sadia consciência.

Pergunto-me qual o conceito à volta do qual se organizará esta cidade. Quando aqui cheguei descobri coisas à custa de esforços inglórios, lógicas absolutamente inéditas, como a variação de preços dos mesmos bens, em lojas da mesma rua, na casa do dobro e da metade, da dificuldade de encontrar coisas para nós básicas, mas que se calhar não fazem falta nenhuma (chicaras de café), e coisas caríssimas e de um gosto surpreendente, como o tamanho das mobílias. O resultado é que aqui se aprende o despojamento, que nos obriga a repensarmo-nos e simplificarmo-nos, e nos torna - assim esperamos - melhores.

Claro que cidade tem uma lógica, todos os dias se enche e se despeja de gente que trabalha e luta pela sobrevivência, e o facto de não a compreender não confirma a sua inexistência.

E a cidade também tem restos de um passado, cada vez mais distante.

Abasteço-me de coisas que me fazem falta para as minhas actividades de artesanato na Retrosaria Fakir (o nome já diz tanto...), sita no Alto Mahé, bairro popular e maioritariamente monhé. A loja terá 25 m2, é gerida a pulso firme por homens vestidos de branco da cabeça aos pés e mulheres de negro trajadas, também da cabeça aos pés (a afirmarem-se publicamente maometanos), ajudados por muitos africanos, empregados prestativos que se colam aos fregueses ... onde existe tudo o que se possa imaginar. Tem sempre fila à porta - as pessoas têm que bichar, o que os locais abominam e de que não param de se queixar - mas eu nunca espero nem bicho. Porque não me deixam. Assim que me vêem chegar, afastam-se para eu passar, e mesmo que eu não queira a isso sou obrigada. Dentro da loja também tenho atendimento prioritário e de qualidade.

Restos de uma cidade colonial?

Provavelmente.


02
Set 10
publicado por devagar, às 07:26link do post | comentar

Nas manifestações de ontem no Maputo, falou-se muito da falta de responsáveis.

O rosto destes movimentos violentos e que deixam as pessoas em casa, sem saber o que fazer, é o povo - descontente; por isso não há protagonistas institucionais com quem falar.

Só políticas a terem que ser pensadas e comunicadas. Numa época em que as comunicações são tecnologicamente muito rápidas, por aqui andaram devagar.

Por todo o lado crianças - 2 mortes a lamentar - mas nos bairros populares por todo o lado há crianças. Miúdos com 4 anos vão sozinhos à padaria; miúdos da primária andam sozinhos quilómetros para ir para a escola.

Ontem tudo se movimentou muito depressa.

Hoje o rescaldo é lento, mas os analistas são, na sua maioria, surpreendentemente honestos e sinceros, não há elaboração pseudo-intelectual para tentar demonstrar a quadratura do circulo. É o que é e todos lamentam. Muito.


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