se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
07
Jun 13
publicado por devagar, às 13:51link do post | comentar | ver comentários (2)

Ainda tenho alguma dificuldade - talvez cada vez menos - em lidar com o que, à primeira vista, consideraría falta de consideração.

É uma forma de estar que vai ao arrepio do conceito, como eu o entendo, mas não a generalidade dos Moçambicanos.

E depois há situações paradoxais.

Vou tentar explicar.

É normalíssimo ouvir buzinadelas poderosamente sonoras na cidade. Se vamos no trânsito, e por qualquer razão não arrancamos logo no sinal verde (ou por alguma situação com semelhante importância) levamos com o buzinão, de um automóvel com o que nos parece ser um condutor incapaz de procedimentos de condução menos correctos, mas que passado pouco tempo pára a viatura a despropósito, e incomoda toda a gente e fica impávido.

As carrinhas do transporte escolar buzinam, para chamar as crianças que não estão na paragem, de forma tão sonora que se apanham valentes sustos, sobretudo quando são 6 e qualquer coisa da manhã e ainda se está na fase de acordar.

Os vizinhos ouvem a música que querem e lhes apetece com o voulume no máximo, em qualquer ponto da cidade, mas sobretudo ao fim de semana, sem pensarem poder - eventualmente - incomodar qualquer pessoa.

Photo credit: Marcus Westberg, www.lifeThroughAlens.com 

A empregada (no meu caso a Felismina) que entra de manhã, tendo um de nós aberto a porta para ela entrar (e aqui as portas são duplas, uma de madeira e a outra - a de segurança que à noite leva os cadeados - de ferro, tipo portão alto) fica à espera que façamos o serviço completo e deixa-nos pendurados, porque não abre nem fecha pelo menos o portão. Não é distracção, porque o rapaz que trata dos meus impostos faz o mesmo, a senhoria da nossa antiga casa idem aspas, aliás, essa quando vinha receber a renda ficava, já à saída, que nem uma estátua ao pé das portas à espera, e se nós não abríssemos as duas ainda hoje lá estaríamos todos.

Eu sempre a estranhar o comportamento, mas já confirmei que não é inédito.

Vamos de carro numa artéria movimentada, um peão resolve atravessar, não respeita semáforos, atravessa onde lhe apraz e anda muito devagar, obrigando-nos a travar e abrandar, desconsiderando-se acima de tudo a si próprio, porque ser atropelado nesta terra não é brincadeira, até porque as urgências dos hospitais não primam pelo bom e célere atendimento.

Mas há outro tipo de situações, as paradoxais.

Photo credit: Marcus Westberg, www.lifeThroughAlens.com

Se vamos na rua e dizemos bom dia a um guarda (que é mais ou menos o porteiro e que tem uma vida regalada pois passa o dia sentado numa cadeira na rua à porta do prédio ou vivenda que 'guarda', a falar com os outros guardas das casas vizinhas) ele responde bom dia obrigado (com delicadeza).

Se vamos ao banco (por exemplo) fazer um depósito com alguém que até nunca vimos, podemos ouvir um bom dia como está (em resposta ao nosso bom dia) ao que respondemos bem obrigada e entregamos o cheque para depósito, porque lá está time is money e não estamos ali para grandes conversas, e ouvimos eu também estou bem, e percebemos que metemos água e fomos nós os autores da desconsideração.

Do que eu gosto mesmo é quando estamos ao telefone e não precisamos de pedir para repetirem quando não percebemos, basta dizer desculpe, que vem logo a repetição, o que torna tudo mais simples, rápido e civilizado.

É por situações destas que eu não sei se as outras são desconsiderações, mas penso que não serão. 


25
Abr 12
publicado por devagar, às 13:38link do post | comentar | ver comentários (1)

Aqui respeitam-se os outros mas não há consideração por ninguém.

Parece paradoxal mas de facto não é.

No Maputo respeita-se a diferença. Ir a um restaurante do tipo classe média popular, como o Piri-Piri, e ver num convívio natural e pacífico gentes das mais variadas origens, credos e cores é vulgaríssimo. O mesmo se dirá da miudagem das escolas primárias e secundárias, que andam misturados em grupos - aqui o mainstream é mesmo multicultural. É quase regra comum a mesma família incluir membros cristãos e não cristãos, e todos se harmonizam e se juntam nas festas religiosas do outro.

É uma lição de vida ver como todos respeitam e são respeitados.

Mas não se consideram, sendo isto bem visível nas estradas ou ruas da cidade na forma como os locais conduzem as suas viaturas (na maioria importados do Japão), sem dar a mínima oportunidade a outros condutores, vistos sempre como o outro, significando o inimigo. Numa atitude competitiva, a ver quem passa primeiro, quem chega primeiro, não se facilitando a vida de ninguém, não se dando passagem e - podendo-se - sem sequer se obedecer à regra básica da prioridade...fico-me por aqui.

Também não se consideram quando, sem qualquer cerimónia, atiram a lata do refresco, as cascas da fruta e outras coisas quejandas pela janela do carro. A cidade está cheia de lixo fora dos contentores.

E há outras situações gritantes.

Os pobres nos bairros são descaradamente roubados por outros pobres também, por falta de emprego e de vontade de trabalhar a par da falta de respeito, consideração e solidariedade. Ninguém pensa que hoje rouba e amanhã é roubado.

Vive-se só o agora.

Se um pobre, habitante numa casa algures no emaranhado dos bairros à volta da cidade, compra um artigo de preço mais avultado, tipo rádio ou televisão, é frequente ser seguido desde a porta da loja até à de casa, que fica marcada para na primeira oportunidade ser assaltada, e roubado o objecto novo que depois se vende para ganhar dinheiro fácil e rápido. 

Vida de pobre é muitíssima difícil.

De criança pobre a vida também não é nada fácil.

Dependendo sobretudo dos cuidados maternos, vive pendurada nas costas da mãe, que se vê obrigada a levá-la para todo o lado, única forma de ir às compras, trabalhar... também com os passeios tão estragados da cidade nem valeria a pena ter um carrinho de bebé, solução de países com mais dinheiro, mas aqui impraticável.

E a criança sujeita-se...

Em toda a parte, e aqui também, qualquer mudança de hábitos acontece muito devagar.


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