Por aqui o dia-a-dia das pessoas continua muito devagar.
Começou e acabou a greve dos médicos e enfermeiros. Cerca de um mês e com resultados quase nulos.
A população sofreu maningue, mas a população aqui está habituada a sofrer e a partir de uma certa idade considera o sofrimento um estado normal.
Os mais novos não aceitam da mesma maneira e há uns espíritos mais livres que se revoltam.
Mas de uma forma geral as pessoas conformam-se com o pouco que têm, até porque não conhecem outras possibilidades.
Repórteres de jornais estrangeiros ficam admirados com a brutal clivagem entre elite endinheirada e a população, o mesmo acontece com alguns diplomatas, mas não chegam para alterar o status quo.
E apesar do que se diz de Moçambique em Portugal, não notamos nem as melhorias nem os dinamismos que os media (irresponsavelmente) apregoam. Aqui a maior parte das coisas são mesmo difíceis.
A greve dos médicos atingiu sem piedade os mais fracos.
Cenário durante a greve dos médicos em Maputo @Ussene Mamudo/AIM
Cá em casa foi a Felismina, o marido teve um AVC que lhe apanhou com severidade o lado esquerdo. Tratamento? a Felismina esfregou com uns óleos, e perguntou-me se devia por vick na perna do marido que ele não se tinha de pé. Expliquei o que pude e não mais porque sabia que o hospital tinha fechado as portas, ajudei o que pude - sempre pouco - e ela lá vai, o marido em casa (52 anos) e a ver vamos se conseguirá recuperar o que quer que seja. A família grande e às costas dela.
O dia da tragédia do AVC foi também o dia em que a Felismina levou o dinheiro em dobro para comprar a geleira, com que sonhava há anos. Saiu daqui animada para ir ao Alto Mahé fazer a compra. Durante o percurso recebeu o telefonema da vizinha a informar que o marido tinha caído perto da paragem do chapa, e que não conseguia falar. A bem dizer, a vizinha nem sabia quando se tinha dado a queda, alguém tinha dito a alguém, que tinha dito à vizinha.
E a Felismina lá foi meter-se no chapa para acudir ao marido, ainda deitado no chão à espera que ela chegasse.
E o dinheiro da geleira acabou por ir parar às mãos de um médico (?) privado, e o marido da Felismina voltou a falar mas não registou outras melhoras.
A linha entre a pobreza e a miséria é aqui muito ténue e a Felismina bem quer, mas não lhe consegue escapar.
Só mais um pormenor: o vencimento da Felismina é superior ao de um enfermeiro em início de carreira.
E agora?