se vai ao longe? ou nunca se chega? Em terras do Índico, vamos abrandar...
31
Jan 13
publicado por devagar, às 17:35link do post | comentar | ver comentários (5)

Aqui anda tudo num frenesim, estranho porque costuma ser tranquilo quando se vem de férias da tugolândia.

Not this time.

Vive-se a polémica à volta dos novos procedimentos dos vistos. Muitas opiniões, muitas críticas, muitas conversas de café, muitos mails com perguntas, muito debate no facebook. Basicamente há uma selecção apertada e, como eu já venho a referir, não se pode vir à aventura, que custa muito caro.

Conseguir visto não é brincadeira, espera-se horas à porta da embaixada em Lisboa, o preço baixou mas as agências levam mais caro pelo serviço, porque a obtenção do dito visto se tornou mais difícil. E não se pode contar com tirar o visto à entrada, porque esse procedimento já só é possível para os naturais de países sem representação diplomática moçambicana, que não é o caso tuga.

Houve gente que chegou - não foi pouca - e foi obrigada a regressar, porque os papeis não estavam claros e o bilhete de avião era só de vinda (= com visto de turista mas era para ficar e trabalhar). Em consequência, a TAP agora  deixa embarcar com bilhete só de ida apenas a quem tem DIRE (=Direito de Residência), caso contrário tem que ter visto e ida e volta - está farta de recambiar tugas de volta, sem bilhete comprado.

E a coisa tem estado tão complicada que pessoal do consulado português está no aeroporto à chegada dos aviões de Lisboa .. just in case!

E há tugas a ir embora depois de terem perdido o que tinham... e não tinham.

Tinha ouvido dizer, em conversa de café, lá para Novembro do ano que passou, que a entrada indiscriminada de portugueses ía ser travada.

Pois: aconteceu.

E qual é o catch?  

Uma pressão muito forte de profissionais moçambicanos, com estudos e formação, que não querem que as poucas ofertas de emprego sejam ocupadas por estrangeiros. Isso misturado com um complexo (pós) colonial, que estes jovens profissionais são todos nascidos depois da independência, pouco mundo, ambição acompanhada de frustração...o cocktail explosivo do costume.

What's new?

O mesmo que eu ouvi (e tanto que ouvi) os portugueses dizerem dos imigrantes dos países de leste, depois da queda do muro de Berlim, e dos brasileiros (e sobretudo das brasileiras) que antes do Brasil se tornar uma economia emergente e poderosa encheram as cidades do país à beira mar plantado.

Tudo isto em que penso me coíbe de falar muito do que aqui se passa, a sociologia explica, a história também. E é preciso ler e pensar, o que poucos farão e eu quero acreditar que é por falta de tempo, que não de vontade.

Vou vendo o que já vi, e vem-me à memória uma frase de um professor que tive, alma enorme em que penso tantas e tantas vezes: de tudo o que muda o que menos muda é o homem!

E o everyday life da esmagadora maioria dos moçambicanos continua devagar.


08
Ago 12
publicado por devagar, às 06:38link do post | comentar | ver comentários (6)

Não é fácil trabalhar em Moçambique.

Os estrangeiros que vêm sem contrato desesperam. Na cabeça trazem as certezas de quem possui conhecimentos mais especializados e skills/competências que os locais ainda desconhecem, para além de um mundo de sonhos que se foi alimentando pela leitura (não critica) da muita matéria altamente inflacionada das oportunidades que existem em Moçambique.

E oportunidades existem, mas muito especificas e nas mãos das grandes corporações (sobretudo a Vale brasileira e a Rio Tinto australiana) que pagam bem e recrutam estrangeiros nas áreas de engenharia, com anúncios que se respondem no conforto caseiro do hemisfério norte onde se aguarda resposta sem se ter vindo para Maputo à espera do milagre.

Há muita falta de bom senso.

Continua a chegar muita gente e muita já veio e já foi, com o dinheiro gasto e muita desilusão acumulada. Porque ao nível do pequeno e do médio as coisas são muito difíceis, o trabalho pouco ou mesmo nenhum, os vistos de trabalho dificilimos e muito caros, a par do alojamento e da vida do dia a dia, que é muito cara.

As condições contextuais são desfavoráveis porque os locais vêem os tugas recém-chegados como concorrência - que de facto são - e fecham-se. E o mercado ressente-se, os tugas fazem preços malucos para entrar no mercado, esquecem-se que o negócio só se conclui depois de cobrada a factura, e quem não consegue esperar...acaba.

O pilão transformado em calha lava-cabeças portátil do cabeleireiro Chipanga

Entre os moçambicanos há alguns jovens e saudáveis movimentos que vêem o empreendedorismo como a resposta possível para o desemprego, estão a organizar-se, estão de facto a empreender e a obter resultados, conhecem o mercado e sabem ver as oportunidades.

 

Estive na semana passada num seminário sobre empreendedorismo, muito bem organizado, com sala cheia, informação de ponta que não é fácil de reunir pelo inexperiente, alguma teoria integradora dos pensamentos desordenados, exemplos de empreendedores bem sucedidos a contar o seu percurso de luta para chegarem onde hoje estão, com destaque para Taibo Bacar, referência da moda moçambicana, sobejamente conhecida nas passereles de Paris e Milão, para a Green Art, empresa de artesanato sustentável que enche as boas lojas de decoração de Manhattan e Paris com peças únicas de artesãos moçambicanos, sofisticadas e certificadas, garantindo os padrões de qualidade que o mercado de luxo internacional exige.

Havia também pequenos empreendedores que expunham os seus produtos e trocavam ideias sobre como se deveriam estruturar, compreendendo a importância do networking (e o empreendedorismo de Angola estava presente) para se expandirem.

 

O balde que aquece a água do banho macua, um sucesso de vendas

Encontrei um mundo de resistentes, que não se deixam vencer pelas dificuldades do dia a dia e que acreditam que se empreenderem ganham eles e ganha todo o país. E todos começaram com muito pouco, uma ideia, um sonho que foram delimitando e construindo, sabendo que para fazer bem tinham que começar devagar.



29
Jul 12
publicado por devagar, às 09:31link do post | comentar | ver comentários (3)

De nossa casa à fronteira levamos 1 hora e uma vez passadas as formalidades do lado moçambicano e do lado sul africano (pode levar de 20 minutos a hora e meia, havendo facilitadores que nos tratam de tudo por alguns meticais negociados, mas temos que os conhecer senão pode correr menos bem...) andamos cerca de 8 quilómetros e estamos num paraíso terrestre que se chama Kruger Park.

Entrar no Kruger requer preenchimento de papeis, por vezes abrir o porta bagagens de acordo com um qualquer critério aleatório, pagamento de bilhete se somos só visitantes (europeus pagam cerca de 20€), porque se ficarmos a dormir num dos acampamentos do parque não pagamos entrance fee, e podemos usar as casas de banho, imaculadamente limpas e a cheirar bem, tomar uma bebida fresca, comprar mapas e brochuras de informações, saber se alguém avistou animais e onde, etc.

E aí com calma (anda-se devagar, o limite de velocidade são 50 km hora) podemos ver no seu habitat os animais do nosso imaginário africano, alimentado por tantas histórias de aventuras.

Para o fazermos há todo um processo, que se aprende por intuição e bom senso e na falta deste (Descartes dizia que todos tinham o suficiente, mas eu sinceramente duvido) observação do comportamento dos habitués, que são muitos. Não é nada difícil, mas binóculos são essenciais e calma, muita calma.

Ontem fomos passar o dia no Kruger, a época seca é a melhor para avistar animais, e depois de 100 desesperantes minutos na fronteira tivemos um dia absolutamente fantástico.

No Kruger depressa nos habituamos a ver gazelas, kudus, zebras, hipopótamos, crocodilos, javalis, galinhas do mato, macacos e uma variedade infinita de pássaros. Deixamos de nos deter longamente a observá-los. O que verdadeiramente procuramos são os Big Five (leão, leopardo, rinoceronte, búfalo e elefante) nome que se tornou uma marca sul africana, um cliché do marketing mas que nos enchem as medidas quando os conseguimos ver no Kruger. São fáceis de ver os elefantes e os búfalos, depois o rinoceronte sendo mais dificeis os leões e os leopardos dificílimos.

Os carros param, ninguém passa, respeita-se com prazer o engarrafamento que se forma logo, os fotógrafos disparam non-stop impressionantes câmaras com teleobjectivas poderosas, e se tivermos que esperar 10 ou 15 minutos para chegarmos ao ponto de observação fazemo-lo de bom grado porque sabemos que vai valer a pena.

Ontem tivemos a sorte de ver um enorme leopardo, primeiro refastelado no tronco da árvore a dormir e depois a comer uma presa. Já tínhamos avistado 2 leopardos noutra visita, a correr em alta velocidade mesmo à frente do nosso carro, atravessando a estrada, mas ontem viu-se com tempo.

Vimos também 6 leões e leoas, ao fim da tarde, deitados na areia na margem do rio, provavelmente à espera dos animais que vêm beber água.

Detivemo-nos a vê-los, porque 6 leões também é um caso muito raro.

 

Nota negativa: duas jovens tugas num Ford branco de matrícula moçambicana, sem paciência para esperar, sem respeito por ninguém, sem compreenderem o momentum, muito incomodadas com a imobilidade dos carros, tudo fizeram para furar o engarrafamento, marchas à frente e atrás, uma tristeza...

Mas lá está, quando não se compreende o contexto a coisa não funciona e no Kruger anda-se devagar e é muito bom.


16
Jan 12
publicado por devagar, às 07:41link do post | comentar

Só há pouco tempo percebi o que queria dizer a frase, que sempre pensei ser fruto de um qualquer delírio adolescente, apanhados pelo clima, de facto não é uma qualquer imbecilidade desprovida de sentido.

Eu explico: liga-se àquilo que neste blog se apelida de Tuga, ou seja, um ser que, sendo representativo de um certo Portugal, talvez pimba, provinciano, deseducado, deslumbrado, e fiquemos por aqui, não é representativo dos portugas em geral, só de uma facção.

Hoje, vou falar do Tuga macho, noutra qualquer altura falarei da Tuga, que também tem que se lhe diga.

Ora bem, o Tuga chega a Moçambique e é alguém, porque fala português e é branco. Estas duas características, de que usufrui por mero acaso geográfico e genético, dão-lhe aqui um certo relevo, que advém do passado colonial a par da ideia de que o branco - português ou não, mas a preferência vai mesmo para o português, por ser mais fácil a comunicação -  sabe muita coisa e paga melhor que os conterrâneos.

Então, o nosso Tuga depara-se com uma certa deferência, dão-lhe a passagem, tratam-no por boss, obedecem rápido às suas ordens, passa à frente nas filas, é atendido primeiro...e o Tuga fica deslumbrado. Depois veste-se de forma bem descontraída, porque o calor aqui aconselha isso mesmo, grandes t-shirts a tapar a barriga proeminente, calção abaixo do joelho e havaiana. E lá anda ele pelos cafés, sempre grande, espaçoso e...feliz.

                          Do filme O último voo do flamingo de João Ribeiro

Acontece, também, que lhe é fácil conseguir companheira(s), que gostam da forma como o Tuga as poderá tratar, já que por aqui abunda a promiscuidade e o pouco dinheiro para o sustento da casa, e a moçambicana que quer sair deste ciclo infernal sabe que apanhar um Tuga e dar-lhe uma volta apimentada...é uma estratégia de êxito.

Pouco depois de chegar, o Tuga já tem companheira, que lhe lava a roupa, cozinha e que com ele faz o que o Tuga nem imaginou exequível no vale dos lençóis, veste-se como gosta, anda nas patuscadas do churrasco e da cerveja ao fim de semana. Tem uma vida com que nunca sequer sonhou.

E nada disto aconteceu devagar.

Foi num ápice que ficou apanhado pelo clima.

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03
Jan 12
publicado por devagar, às 20:46link do post | comentar | ver comentários (1)

Estou prestes a voltar para o Maputo. Muito ficou por fazer e muito foi feito, sempre esta sensação de que não consigo  cumprir uma lista mental que ninguém - a não ser eu mesma - escreveu e quer cumprir.

Sei que vou ter que andar devagar e vai saber-me muito bem.

Sei também que vou voltar a ser TUGA e disso tenho pouca vontade, é que as histórias tugas em Maputo deixam-se quase sempre com vontade de não pertencer ao grupo.

Eu explico.

Se nós aqui consideramos que o português tem pouca consideração pelos outros, e se nós aqui pensamos que tem sido lento o processo que levou os portugueses a tornarem-se no dia-a-dia cidadãos europeus, com comportamentos racionais, então quando os exportamos para Moçambique toda a consideração pelo próximo desaparece e os comportamentos tornam-se irracionais, e é claro que nos custa levar a etiqueta TUGA no peito.

Um à-parte: deste grupo exluo os políticos porque são de facto diferentes, se calhar oriundos de outro planeta, e que gostam de ir ao Maputo e passear na Julius Nyerere, artéria muito principal da cidade, cheia de bons hoteis e restaurantes, e distribuir muitos sorrisos, vestidos da forma mais informal que conseguem.

Para que me compreendam vou relatar um só episódio tuga: há cerca de 3 semanas, uma senhora tuga não gostou de ver uma camioneta parada em segunda fila na 24 de Julho, a descarregar vidros e alumínios para obra em execução. E sabe-se lá por que razão, chamou a si o caso. Refira-se que a referida senhora tinha o seu carro um 4x4 estacionado ali e podia sair à-vontade. Então foi à carrinha e retirou a chaves da ignição, preparando-se para se ir embora com as chaves.

Nem faço comentários.

O condutor da camioneta viu a senhora e dirigiu-se ao referido 4x4. A tuga mostrou enorme surpresa por se tratar de um branco - "julgava que o motorista da carrinha era um preto" - e colocou a chave da camioneta entre as pernas, em atitude de desafio, e falou de forma desabrida, como se se tratasse de polícia de trânsito.

A situação manteve-se em níveis aceitáveis porque a tuga estava acompanhada de uma filha adolescente, que ficou muito envergonhada e pedia à mãe para devolver a chave e ir-se embora, e o condutor da camioneta, depois de desligar o 4x4 (porque senão a tuga ía mesmo embora), teve consideração pelo o óbvio sofrimento da miúda e absteve-se de dizer-lhe mais.

Sobre a matéria fico-me por aqui, e não escrevo mais porque nos diminui.

Mas são estes episódios que me fazem querer não ser tuga.

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14
Mar 11
publicado por devagar, às 14:11link do post | comentar

Moçambique é (foi sempre) multicultural. Vive-se aqui em vários maputos, vários circuitos fechados que se vão respeitando e convivendo pacificamente. Há a multiculturalidade visível, pela forma de vestir, pelos sitios que se frequenta, e há aquela que só cada grupo de per se reconhece. Como nós da TUGOLÂNDIA reconhecemos de imediato outros TUGAS que colocamos num qualquer compartimento de classificação social (eu sinto-me sempre à parte, perguntando-me amiúde se por acaso serei mesmo TUGA). Outras gentes reconhecem grupos e subgrupos de acordo com bitolas especificas e de difícil compreensão.

E são mesmo muitas as gentes que por aqui estão e que me fascinam diariamente, e com fortissimas influências do Índico, que tudo, absolutamente tudo, torna diferente: aqui não se sentiu nem ao de leve o Carnaval - que é atlântico. Nada se passou, nem uma montra, nem um evento. Nada.

Vivemos a influência do ritmo das monções, que torna a-noutros-lugares-muito-aprazível-temperatura-máxima-de-26º absolutamente insuportável, porque o grau de humidade é de 83%. Passa-se o dia a suar de forma incontrolável, só aliviada pela climatização. Por isso dormimos sempre com o ar condicionado ligado, desde o recém nascido ao idoso. Aqui dá saúde.

E há sítios onde vou e me parece difícil acreditar que este país foi alguma vez território colonial TUGA. Enfim.

Hoje estive em zona monhé, um calor na casa dos 30 e tal, numa loja sem climatização - porque hoje de manhã houve prolongada falha de energia - e uma rapariga atendia (a suar em bica) ao balcão de negro vestida (a lembrar os filmes bíblicos made in Holywood). Enquanto esperava, falamos do tempo, que é o melhor tema de conversa quando outro não existe.

 

Queixou-se da chuva de ontem de manhã, que aumentou a humidade e não refrescou.

Solidarizei-me.

Perguntei-lhe - eu de cavas e decotes - se a roupa que trazia não lhe fazia calor. Que sim que fazia, mas que estava habituada.

Desacreditei.

Não havendo ninguém a ouvir a nossa conversa, perguntei-lhe se quando chegava a casa se vestia (neste caso despia) mais leve, mais à vontade, disse-me que sim, mas só no quarto dela.

Gostei de gostar de ser TUGA.

É tudo devagar...e relativo.


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