Em Moçambique as mulheres e os homens são muito diferentes. E há muita gente e muitas instituições que tentam todos os dias diminuir a diferença. É muito difícil. Mas todos os dias tem que se tentar que as meninas não deixem de ir à escola, é que à medida que os estudos progridem as meninas vão desistindo, representando 2/3 dos drop-outs do sistema educativo. É brutal. Das meninas que iniciam a primária só 28,8% chegam ao fim. As que desistem da escola vão para casa trabalhar, porque à sua vida futura não fazem falta os estudos. As meninas não são valorizadas como os rapazes. E se é assim em muitos locais, aqui é muito assim - a taxa de analfabetismo entre as mulheres tem vindo a diminuir mas mantém-se alta: em 1997 era de 74,1% da população e em 2004 estava nos 66,2%. Notáveis mas insuficientes avanços.
A prática africana do lovolo (=bride's price) que 'faz parte da identidade individual e colectiva, ligando seres humanos e mortos numa rede de interpretações do mundo e num conjunto de tradições em contínuo processo de transformação'* está bem viva nas sociedades urbanas, incluindo Maputo, e legislação que combatia essa prática foi sendo posta de parte, porque inoperante. O lovolo leva à submissão da mulher ao marido, que a adquiriu, às vezes com grandes sacrifícios dele e da sua família, e o que se adquire é pertença, e dela faz-se o que se quer...
Esta é uma questão muitíssimo complexa, que cruza mal com a emancipação da mulher e cruza bem com a submissão cristã da mulher ao marido, a missionação teve implicações profundas numa mentalidade que já subalternizava o feminino. E as mentalidades mudam muito lentamente.
Devagar.
Ademais, a promiscuidade é comum, sendo usual o homem casado ter mais do que uma namorada - e nada por aqui é platónico. O grave problema de HIV em Moçambique é fruto também deste life style, e da prostituição que teima em cobrar preço sem camisinha (500 Meticais) e com camisinha (250 Meticais) com as mulheres a sujeitarem-se a tudo e a serem traficadas para além fronteiras.
Tudo isto a propósito da recente publicidade à cerveja laurentina, cujos outdoors levantaram ondas de protesto numa sociedade pós colonial onde as questões de racismo continuam a pesar. A pobreza cultural da imagem e do slogan e os protestos que gerou em vários sectores da sociedade, levaram as Cervejas de Moçambique a suspender a campanha.
Na época da responsabilidade social das empresas, e da primazia da imagem, ficava-lhes mal actuar ao nível baixo e promíscuo de uma sociedade que tenta inverter o status quo tão duro para a mulher. A pronta suspensão da campanha demonstra que quem todos os dias tenta remar contra a maré, acaba por atingir os resultados.
Ainda bem que há boas notícias.
*Estudos sérios da antropóloga Brigitte Bagnol sobre o assunto: Lovolo e espíritos no sul de Moçambique. Anál. Social, abr. 2008, no.187, p.251-272. ISSN 0003-2573.
Disponível na net em http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732008000200003&lng=pt&nrm=iso